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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Crítica - Serra Pelada

Bamburrou!

Havia grande expectativa, e também alguma apreensão, com Serra Pelada (Brasil 2013), filme de indisfarçável ambição e orçamento graúdo para os padrões nacionais, de Heitor Dhalia. O filme responde bem a essas demandas.
Serra Pelada é um filme comercial, mas é também um filme de Heitor Dhalia. Essa dicotomia serve bem ao cinema brasileiro em um recorte conjuntural, mas desapropria o filme de uma fundamentação dramática mais arejada, de uma investigação cênica mais arrojada e de uma realização mais insidiosa dos conflitos que norteiam a trama – ficcional, mas picotada de pequenas verdades.
Na trama, acompanhamos os amigos Juliano (Juliano Cazarré) e Joaquim (Júlio Andrade) que rumam para Serra Pelada, no Pará, tão logo começam a surgir os boatos de que o lugar está repleto de ouro a ser garimpado. Chegam e rapidamente ascendem na peculiar pirâmide social do lugar. Mas enquanto Joaquim se agarra ao sonho de enriquecer e prover uma vida melhor para sua família, Juliano sucumbe à tentação do poder. Essa espiral bifurcada que acomete os dois personagens é a principal verve dramática desse filme que tem ambição de ser um épico sobre ganância que funde brasilidade a signos do western.
Reforça essa perspectiva a relação entre Juliano e Tereza (Sophie Charlotte), ex-prostituta tornada prostituta particular de um barão cheio de querer em Serra Pelada (Matheus Nachtergaele) e cobiçada ardentemente pelo amigo mais abusado da dupla que vem de São Paulo.
A química entre os dois é um dos pontos fortes do filme. A lógica da pele, do “não te quero, mas te quero tanto” é crucial para que o espectador dimensione a mudança paradigmática que o personagem de Cazarré sofre ao embevecer-se do poder que experimenta no garimpo paraense.

Química em ebulição: Juliano Cazarré e Sophie Charlotte contribuem para um dos picos de Serra Pelada enquanto dramaturgia

Se Serra Pelada alia bem suas pretensões comerciais aos interesses estéticos (a inserção de imagens de arquivo e registros jornalísticos são um primor) e temáticos de Dhalia, é preciso constatar que há gorduras. Se há sutileza e economia narrativa na jornada de Joaquim, o mesmo não pode se dizer do personagem de Juliano, que avança mais do que o necessário para os propósitos do filme. O personagem de Wagner Moura, que originalmente viveria Juliano, Lindo Rico, é o tipo cheio de potencialidade, mas que surge sem qualquer propósito formal na trama. Ainda que Moura domine a cena com virulência e satisfação construindo um personagem tarantinesco. O off é outro elemento mal alocado na narrativa.
São demandas do ponto de vista comercial que interferem no saldo artístico de Serra Pelada. De qualquer maneira, o filme de Dhalia é um espetáculo visual que engrandece a produção cinematográfica brasileira e, no particular, um filme que se não acresce à filmografia do cineasta, certamente não a diminui. 

4 comentários:

  1. Como se trata de Heitor Dhalia as expectativas ficam lá no alto realmente e sua crítica me deixou ainda mais interessado no filme, mesmo com certas ressalvas.

    Meu preferido dele até o momento é O Cheiro do Ralo.



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  2. Pois é, Juliano e Tereza tem química e interesse, mas Joaquim não cria empatia com o público, acho que por isso, o filme perde muito. Mas, sim, é possível ver Heitor Dhalia ainda que meio domado pela indústria, já é algo melhor que o filme americano que ele assinou.

    bjs

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  3. Torci o nariz (claro que tive que assistir ao filme) pela estreia do Heitor Dhalia em Hollywood. Aquela fitinha com a Amanda não deu muito certo. Uma pena. As ambições e inclinação artística do cara poderia dar muito certo lá fora, como deu com Meirelles. Enfim. Ainda não assisti ao Serra Pelada. Tb tenho um interesse enorme pelo filme. Pelo trailer, imagens que observei, aquele master shot do formigueiro humano, ah, me despertou curiosidade. Dhalia se ajeita melhor no cinema nacional. Cheiro do Ralo e Nina são referências obrigatórias a meu ver. Lastimável, tb, quando um projeto não se encontra...ou é blockbuster ou é cult.

    Abs.

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  4. Bruno: O meu preferido dele é "À deriva",ainda que "O cheiro do ralo" seja um deleite do ponto de vista estético.
    Abs

    Amanda: Não tive essa impressão quanto a Joaquim. Mas te entendo. Eu, pelo contrário, acho que ouve um desequilíbrio - como aponto na crítica - na mesura entre os personagens e suas trajetórias. Acho que o Juliano foi além do que deveria... Mas enfim, são percepções...
    Bjs

    Amanda: É verdade. Mas há de se louvar a pretensão de Dhalia de puxar essa veia "scorsesiana" de ser cult e blockbuster ao mesmo tempo...
    Abs

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