Sem design e sem arrojo
O inferno está cheio de boas intenções e deve recepcionar
esse Jobs (EUA 2013), filme que brilha no oportunismo e no hype de ser o
primeiro a dimensionar no cinema aquela que é a primeira das grandes
personalidades da chamada “era digital”, o criador da Apple e de todo um status
quo por ela fomentado, Steve Jobs. Jobs falha clamorosamente em dar conta da
complexidade do personagem que suscitava admiração e pavor tanto no meio
empresarial como nas próprias hordas da Apple. O filme de Joshua Michael Stern é,
ainda, por vezes, cansativo; algo que vai ao extremo oposto do espírito
inspirador (e frequentemente ansioso) de seu biografado.
A montagem é outro problema grave. Há, por certo, muito para
se dar conta sobre o personagem. O filme deliberadamente se incumbe de cobrir
desde os tempos de faculdade, do momento em que Jobs se irrompe contra essa instituição, até
seu retorno “por cima” à Apple. São quase 30 anos em uma jornada marcada por alto-indulgências,
renúncias e um processo de amadurecimento pouco compreensível, nos termos da
dramaturgia erguida pelo roteiro de Matt Whiteley. Aí reside o grande revés de
Jobs enquanto cinema. Há o comedimento em elevar o mito, mas há, também,
demasiada superficialidade no questionamento que se faz da figura humana de
Jobs.
Essa hesitação narrativa, temperada pela falta de talento do
diretor em problematizar seu personagem, torna Jobs frequentemente opaco.
Visionário: o filme parece não se dar conta de que o público já sabe de antemão que Steve Jobs era um visionário e perde precioso tempo narrativo preparando essa "revelação"
O uso do termo frequentemente se justifica porque há bons
respiros no filme. O personagem é muito bom e o interesse que paira sobre ele
fomenta certa condescendência da audiência para com o tom e os propósitos da
narrativa. Ashton Kutcher é outro bem intencionado que não atinge o resultado
esperado. Não é segredo que seu casting se deu mormente por sua semelhança física
com Jobs. Apesar de ter revelado recursos dramáticos nada desprezíveis em
filmes como Efeito borboleta e Jogando com prazer (em que dava cor à percepção
que muitos têm dele), Kutcher não é um ator de tantos recursos quanto um
personagem como Jobs exige. Pesa-lhe contrariamente, ainda, o fato de ser muito
difícil para a platéia levá-lo a sério, tendo em vista que construiu para si
uma imagem vinculada à comédia de erros. Kutcher conquista esse outro olhar do
público ao longo de Jobs, mas nunca vai além disso. Copiando gestual e postura
do criador da Apple, ele apresenta uma performance digna, mas sem grandes
predicados. O elenco de apoio, sem um juízo tão severo sob suas caracterizações,
se sai consideravelmente melhor. Em especial Josh Gad ,
como Wozniak, co-criador da Apple.
Jobs é um filme em que facilmente se identifica todo o seu
potencial, mas mesmo isso advém do personagem e não de sua organização
narrativa. Uma pena. Steve Jobs, porém, ainda será pauta do cinema mais vezes
e, talvez, com oportunismo e hype diminuídos, o personagem, enfim, saia
beneficiado.
Já esperava, aliás, Ashton Kutcher não me desce e já começa por aí. De qualquer forma, disse tudo, ainda haverá outras oportunidades, talvez com situações mais enigmáticas na vida pessoal de Jobs para fazer bonito numa cinebiografia que se preze. Realmente, concordo que todo um hype envolvido diminua a chance de uma premissa bem contada. ótimo texto.
ResponderExcluirAbs.
Rodrigo: Aaron Sorkin está escrevendo sobre Assange e Jobs. Let´s see how it goes!
ResponderExcluirObrigado pelo elogio!
Abs
Decepção é mesmo a palavra para definir aqui. Uma pena.
ResponderExcluirbjs