Páginas de Claquete

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Crítica - Flores raras

By reading your poems...

É um projeto ambicioso, não só por ser um filme nacional que obriga o espectador a ler legendas em uma época que os filmes estrangeiros surgem majoritariamente dublados nas salas de cinema do país, mas porque Flores raras (Brasil 2013) quer conciliar a veracidade da trajetória de duas mulheres de reiterado e merecido destaque – a paisagista e arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires) e a poetisa americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto) – à beleza e lógica de uma história de amor.
Nesse contexto, o filme de Bruno Barreto apresenta méritos, vícios e crises que resultam em um filme muito acima da média, ciente de suas potencialidades, mas também que deixa suas limitações visíveis a um olhar mais experimentado.
Flores raras não é um filme apenas sobre a história de amor entre duas mulheres em uma época em que isso provocaria escândalo ainda maior do que podemos imaginar hoje, mas uma história sobre como esse sentimento balizou mudanças significativas na vida das duas. É, ainda, um drama capaz de provocar algum ruído sobre o desatino das personalidades fortes – nesse sentido Lota é um personagem fascinante – e de como a arte está ligada ao ideário de liberdade (o homossexualismo bem estabelecido no círculo social das protagonistas e a breve conotação política aferida na trama reforçam esse recorte).
Se Elizabeth era alguém insegura de si, de sua condição, de seu desejo de viver, Lota – que se deixava cativar por essas qualidades que a outros repeliria – era alguém capaz de cuidar, tratar, enfim, abrandar essa insegurança. Dessa necessidade mútua, de se aceitar por uma, e de se afirmar, por outra, surge uma historia de amor por vias tortas. A companheira de Lota, Mary (Tracy Middendorf), é escanteada sem cerimônias revelando o aspecto centralizador da personalidade de Lota – que muitos descreveriam como um aspecto masculinizado de sua figura.

Relação problemática: a rápida e devastadora paixão que une as protagonistas não submerge os defeitos e carências de nenhuma delas

Aliás, a opção por não romantizar as personagens é um acerto de Barreto e do roteiro de Carolina Kotscho e Matthew Chapman, baseado no livro “Flores raras e banalíssimas” de Carmem L. Oliveira. As agruras das personalidades das protagonistas surgem sem retoques lhe conferindo humanidade insuspeita em um filme que se pretende, também, uma homenagem. 
Mas há sobressaltos. A edição nem sempre é a que se poderia desejar. Principalmente no momento em que Lota e Elizabeth se aproximam amorosamente, a montagem do filme flerta com o amadorismo não amarrando pontas cruciais para que a audiência perceba o que une, afinal, aquelas duas mulheres tão distintas. A efemeridade com que a vida política do país é tratada pelo filme é outro fator a incomodar. Por certo, um desvio dessa natureza poderia prejudicar o ritmo do filme, mas a maneira com que Barreto insere o contexto político no filme é superficial e pouco tange às vibrações que exerceu na separação conjugal das personagens.
As três atrizes principais do filme estão muito bem dirigidas, é importante frisar. Glória Pires está muito a vontade em uma personagem compreensivelmente difícil para se interpretar. Além de atuar majoritariamente em inglês, sempre de maneira muito convincente, havia o aspecto das cenas de teor homossexual – sempre matéria de polêmica para alguém de sua estatura na cena midiática nacional. Glória tira tudo de letra, mas não deixa de ser engolida por Miranda Otto em cena. A australiana acha o ponto certo para viver Bishop, personagem muito fácil de cair no clichê, e dignifica a memória da poetisa com um registro complexo, sensível e marcado por sutilezas. Já Tracy Middendorf, com bem menos atenção da narrativa, consegue na base do gestual fazer justiça a uma mulher injustiçada por Lota e mesmo pelo filme, entregando nuanças jamais desprezíveis.
Flores raras não deixa de ser um monumento romântico á vida dessas figuras que são agora descobertas por muitos nas telas de cinema. Há uma beleza maior que a vida em reclamar o parque do Flamengo, hoje já muitas vezes reformado e conhecido como Aterro do Flamengo, em souvenir de uma história de amor.

7 comentários:

  1. Estava aguardando a sua crítica. Como sempre, muito bem argumentado, fella! Bom, se o filme é ao menos acima da média como você defende já é um mérito, em minha opinião, mas de qualquer forma, ainda preciso conferir, pode ser, depois do seu texto, que eu faça isso na sala de projeção (não tava muito afim de ver no cine, querendo recepcioná-lo na TV ou Dvd).

    Miranda chega engolir a Glória em cena, mesmo? Bom, até posso imaginar, mas ambas as personagens são dificílimas de fazer, principalmente Bishop que era hostilizada por parecer antipática. Tem ainda a Tracy Middendorf, putz, vendo o rosto familiar da atriz, lembro dela fazendo a babá do filho da Heather Langenkamp em "O Novo Pesadelo - O Retorno de Freddy Krueger". rs rs lembra?

    Agora fiquei curioso pelo filme!

    Abs.

    ResponderExcluir
  2. Uau! É sempre um show falar de cinema contigo bem no estilo "the way your mind works". Não tenho a menor lembrança dela no filme do Freddy. rsrs. You really rule!
    Obrigado pelos elogios. O filme é melhor do que se imagina, o que não quer dizer que seja um grande filme. O elenco é mesmo o ponto forte.
    Abs

    ResponderExcluir
  3. Bravo, Reinaldo, fez uma ótima análise sobre este filme que é mesmo interessante, mas não perfeito, como alguns estão apontando. Concordo plenamente que Miranda Otto é o nome do filme, ainda que Glória esteja muito bem e que há problemas, nele. Destaco ainda o início apressado que não nos ajuda a criar o vínculo com aquele casal e a parte final que tem alguns exageros melodramáticos. Mas, ainda assim, um filme a ser aplaudido diante de nossa filmografia recente.

    bjs

    ResponderExcluir
  4. Amanda: concordo contigo. É um belo destaque em nossa filmografia recente. E obrigado pelo elogio!
    Bjs

    ResponderExcluir
  5. Eu achei o filme acima da média também, mas fiquei um pouco incomodada com as liberdades que o roteiro tomou para contar a história das duas - a mais chata foi o fato de usarem uma casa do Niemeyer para fazer como se fosse a delas - será que não dava nem pra fazer algo estilo Projac pra mostrar de fato algo dela??? E não dava pra dar uma amarrada pras coisas ficarem mais próximas da realidade? Acho que o principal mérito, além de não ter descambado para falta de elegância nas cenas de sexo, é resgatar a figura da Lota para o brasileiro médio que não tinha a menor ideia de quem ela fosse. A Mary também fui muito importante para o País - ela foi uma das pessoas engajadas no projeto do museu de arte moderna do Rio, o que não é pouca merda, rsrsrs

    ResponderExcluir
  6. Fui assistir Flores Raras e na metade do filme já estava me contorcendo na poltrona. Sou daqueles amantes de cinema que se entusiasma ao ver uma obra de Fellini a um Bang-bang Espaguete sem qualquer constrangimento, pois sempre acreditei que todo e qualquer filme é de ARTE ou tem ARTE. Aliás, a expressão “filme de arte” deve ter sido inventada pela mesmo intelectualóide que criou a ideia de “filme cabeça” – seja lá o que for isso – já que a qualidade ou não de uma obra, bem como a ausência ou não de inteligência, são pertinentes à outras análises e críticas. Neste contexto o sucesso alardeado do cinema nacional é uma piada sustentada por "uma dúzia" de cineastas que por terem acesso à verbas públicas, só sabem fazer filmes para agradar amiguinhos, família, ou festivais internacionais. E cujos prêmios por vezes adquiridos satisfazem apenas seus egos e de quem os produz, dando uma banana se o público (popular e não elitista) aprovou ou não suas realizações. Flores Raras é mais um desses filmes que se perdem ao mostrar cartões postais clichês de um país sempre carioca, com músicas que comumente revisitam a Bossa Nova ou Tropicalismo e personagens falando inglês apenas para torna-lo compreensível a jurados estrangeiros dos ditos festivais. E neste último caso penso como é possível que alguém encontre em um filme falado numa língua que não a nossa, algum tipo de identidade cultural sobre tudo o que somos ou representamos como nação! Obstante minhas críticas não acho Flores Raras um filme exatamente ruim, mas apenas sonso, nada empolgante e que não se aprofunda em quaisquer dos temas propostos por Barreto: amor, sensibilidade, homossexualismo e o período histórico brasileiro em que está ancorado.

    ResponderExcluir
  7. Que crítica foi essa aí de cima? Sem pé nem cabeça, misturando alhos e bugalhos...o filme é lindo para quem consegue ver, cheio de sensibilidade e realmente, muito acima da média...Tem gente que procura pelo em ovo, vai entender...

    ResponderExcluir