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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Crítica - O voo


Rota de colisão

Existem grandes exemplares de filmes sobre o alcoolismo, em particular, e vícios, em geral. O voo (Flight, EUA 2012) se credencia com ênfase para adentrar às duas galerias. O filme que marca o retorno de Robert Zemeckis à direção de filmes “live action” traz Denzel Washington em grande forma como Whip Whitaker, um piloto de avião que se recusa a assumir-se como alcoólatra. Mas a forma como o roteiro de John Gatins, cujo crédito anterior é o ótimo Gigantes de aço, articula esse conflito tão assiduamente abordado no cinema é equilibrada e reflexiva.
No primeiro momento que vemos Whitaker, ele está em um motel acompanhado de uma comissária de bordo. Ele toma um trago de uma cerveja quente para logo em seguida cheirar uma carreira de cocaína. Dali a um par de horas ele estará pilotando um jato comercial. O espanto com a conduta de Whitaker logo dá vez ao espanto com a destreza do mesmo ao evitar um acidente iminente quando a aeronave que pilotava sofre uma pane. A partir daí O voo articula um interessantíssimo painel tendo Whitaker como principal pólo. A investigação federal sobre o acidente, reconhecidamente motivado por falha mecânica, aponta para o fato de que Whitaker estava sob dependência química. Enquanto seu comportamento profissional está sob minuciosa análise – e um eficiente drama de tribunal se pronuncia – o flagelo emocional de Whitaker se acentua com a pressão que passa a vivenciar, tanto pelo ocorrido como pela convivência com Nicole (a ótima Kelly Reilly) viciada em heroína em recuperação. A recusa de Whitaker em assumir-se com um (grave) problema é sinalizada com muita assertividade em vários momentos e sem pieguismo. Um dos méritos de O voo, aliás, é aproximar o delicado tema sobre o qual se constrói de uma discussão sobre fé – e a arrogância de Whitaker é um elemento muito bem trabalhado pela caracterização de Washington – e sua indesviável contribuição para a recuperação de pessoas com vícios. Uma das cenas mais poderosas de 2012 nos cinemas, a propósito, dimensiona essa questão. O primeiro contato entre Whitaker e Nicole se dá em um hospital – ele recuperando-se do acidente e ela de uma overdose. Os dois se encontram em um corredor para fumar e um terceiro paciente, com câncer, também aparece. A cena, poderosa e rarefeita, dá uma demonstração eloquente da força de O voo enquanto cinema e proposta.

Denzel Washington em um de seus melhores momentos como ator: ambiguidade e cinismo em um personagem fascinante


Há queixas sobre o final do filme, certamente moralista. É fato que se não cedesse a essa tentação, Zemeckis teria ensejado um filme muito mais impactante e visceral, mas a epifania do protagonista não “caiu do céu”. Não foi um rearranjo de roteiro e de maneira nenhuma diminui a força da história relatada com maestria, diga-se de passagem, por Zemeckis.    
A ambiguidade do personagem – defendida com esmero por um Denzel Washington duro quando preciso e comovente quando o momento pede – é, no entanto, o que de melhor O voo tem a apresentar. Um personagem cínico a uma platéia cínica favorece uma rota de colisão como poucas no cinema. No fundo, o problema não é o vício de Whitaker e sim o cinismo que lhe impede de se assumir como viciado. Esse cinismo, até pela recepção majoritária ao desfecho da fita, não é só de Whitaker. Essa é a pulsão final desse belo filme. 

2 comentários:

  1. Assisti a este filme hoje. Acho que o Zemeckis acerta em apoiar seu filme na maravilhosa atuação do Denzel Washington. Gostei da forma como "O Vôo" aborda o seu tema central: o alcoolismo do personagem, mas achei o final muito moralista e desnecessário. Por mim, o filme tinha terminado uma cena antes...

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  2. Kamila: eu acho o final pertinente à jornada do personagem; ainda que concorde que seja uma opção menos impactante.
    Bjs

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