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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Crítica - A separação

Cinema de pulso!

De vez em quando surgem aqueles filmes que do pouco extraem muito. A separação (Jodaeiye Nader az Simin, Irã 2011) é um desses filmes. A princípio o diretor Asghar Farhadi faz supor que seu filme se trata de um conflituoso processo de divórcio em um país tão restritivo como o Irã. Esse tema simplesmente, nas mãos de um diretor tão arguto e sensitivo como Farhadi demonstra ser, já renderia maravilhas. No entanto, A separação se aprofunda cada vez mais na proposição de refletir uma sociedade dividida entre as tradições religiosas e demandas pessoais. Mas não só. A separação enuncia a universalidade de seu tema ao opor dois personagens Nader (Peyman Maadi), o marido, e Simin (Leila Hatami), a esposa, com visões de mundo diametralmente divergentes. Criar a filha (Sarina Farhadi) no Irã ou não é uma questão que características dos personagens, que vão sendo reveladas ao longo do filme, torna indissociável do olhar (e julgamento) que o espectador faz dos eventos que sucederão.
Ainda que se reconheça as boas intenções tanto de Nader quanto de Simin, o que Farhadi confronta com seu filme é a percepção de que as boas intenções bastam. Simin quer levar a filha para o estrangeiro. Nader resiste a ideia. Nader pode ser percebido como um progressista dentro do regime teocrático iraniano. Já Simin surge aos olhos do público mais ressentida. O que não quer dizer que ambos os personagens sejam incorruptíveis dentro dessa vã concepção que sustentam. Essa ambigüidade é um dos pontos fortes do roteiro justamente indicado ao Oscar.

Rota de colisão: pequenas crises são potenciais dramas em A separação


Farhadi acresce tensão a esse drama já tão bem construído ao erigir uma trama de tribunal com os devidos recalques que a cultura iraniana avia como exotismo para uma audiência ocidentalizada.
Nader, após a mulher sair de casa, precisa contratar alguém para cuidar de seu pai, vítima do mal de Alzheimer. Razieh (Sareh Bayat) é muito religiosa e se ressente dos termos da função que precisa exercer. Mas precisa do dinheiro. A tensão já começa daí e chega a um evento que realinhará a conjuntura dramática de A separação.
Farhadi desenvolve o filme com vigor e sobriedade, mas não deixa de clamar à compaixão dos espectadores com o desfecho espetacular que apresenta.
A separação é aquele tipo de filme que o espectador é convidado a refletir não só sobre o que viu na tela, mas sobre as próprias convicções mais intimas. Essa apropriação que Farhadi faz de nossa visão de mundo é um dos acertos de A separação enquanto proposta cinematográfica. Um filme que se comunica belamente com todo e qualquer público, mas que se comunica - também – particularmente com pessoas de procedências e experiências diversas.
Feita essa contextualização imperiosa, é preciso louvar o elenco. Perfeito na construção dramática em tons maiores que a escalada de tensão pede. Um filme que recupera o pulso do cinema enquanto arte e manifesto.

5 comentários:

  1. "Um filme que recupera o pulso do cinema enquanto arte e manifesto." Bela definição, o filme fica com a gente um bom tempo depois, até pela forma como termina.

    bjs

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  2. Muito interessante!
    Excelente crítica. Em poucas palavras você me deu detalhes de uma obra que parece ser realmente pulsante.

    Na lista pra assistir... sem dúvida.

    sabemos de quem será o Oscar Estrangeiro. Forte candidato, creio.

    Abs.

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  3. Amanda: Obrigado Amanda. Fica com a gnt mesmo.Um final poderoso.
    bjs

    Rodrigo Mendes: Será a zebra da década se este filme não levar o Oscar. Mas essa categoria historicamente é propensa a zebras, né? Mas acho que ela passa longe em 2012.
    Abs

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  4. Me surpreendi com "A Separação". Um filme universal, bem amarrado e que deve ser conferido por todos os cinéfilos. Sem dúvida, merece as honrarias que vem recebendo!

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  5. Matheus Pannebecker: Tb me surpreendi. Não pensava que o filme fosse sobreviver o hype. Merece o Oscar sim.
    Abs

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