Cinema comercial X cinema artístico e a questão da percepção
Na semana passada, a seção Insight focou o cinema de arte, suas adjacências e resiliências. Aprofundando a questão aventada no último domingo, é oportuno discutir a questão da percepção. Afinal, é ela a responsável direta na hora de eleger um filme como artístico ou comercial. Não é preciso ir muito longe para enxergar discrepâncias dentro da própria crítica cinematográfica. Há quem goste de Godard, apenas pelo seu significado cultural (mas na verdade não suporta seus filmes), há quem veja em Godard um rompimento estético saudável, mas pouco substancioso em termos estruturais e há quem pense que Godard é uma fraude. Todos classificam o octagenário cineasta francês como integrante da ala artística do cinema. Essa dicotomia ajuda a mapear o quão subjetiva, embora itinerante, é a crítica cinematográfica. Daí a dificuldade de rotular cineastas como o americano Steven Sodebergh (que alterna trabalhos autorais com projetos mais comerciais). Steven Spielberg é tido como o Midas do cinema blockbuster americano, mas seria injusto dizer que o homem que criou Parque dos dinossauros, E.T, Contatos imediatos do terceiro grau, A lista de Schindler, Munique e Minority report – a nova lei, não seja ele, um legítimo integrante do cinema artístico. Akira Kurosawa, maior cineasta nipônico de todos os tempos (cultuado como um dos pilares do cinema de arte por muitos formadores de opinião) inspirou seu cinema nos westerns americanos de Howard Hawks e John Ford. Almodóvar, sinônimo de cinema de arte nos quatro cantos da terra é sucesso de bilheteria na Espanha, seu país natal.
Na semana passada, a seção Insight focou o cinema de arte, suas adjacências e resiliências. Aprofundando a questão aventada no último domingo, é oportuno discutir a questão da percepção. Afinal, é ela a responsável direta na hora de eleger um filme como artístico ou comercial. Não é preciso ir muito longe para enxergar discrepâncias dentro da própria crítica cinematográfica. Há quem goste de Godard, apenas pelo seu significado cultural (mas na verdade não suporta seus filmes), há quem veja em Godard um rompimento estético saudável, mas pouco substancioso em termos estruturais e há quem pense que Godard é uma fraude. Todos classificam o octagenário cineasta francês como integrante da ala artística do cinema. Essa dicotomia ajuda a mapear o quão subjetiva, embora itinerante, é a crítica cinematográfica. Daí a dificuldade de rotular cineastas como o americano Steven Sodebergh (que alterna trabalhos autorais com projetos mais comerciais). Steven Spielberg é tido como o Midas do cinema blockbuster americano, mas seria injusto dizer que o homem que criou Parque dos dinossauros, E.T, Contatos imediatos do terceiro grau, A lista de Schindler, Munique e Minority report – a nova lei, não seja ele, um legítimo integrante do cinema artístico. Akira Kurosawa, maior cineasta nipônico de todos os tempos (cultuado como um dos pilares do cinema de arte por muitos formadores de opinião) inspirou seu cinema nos westerns americanos de Howard Hawks e John Ford. Almodóvar, sinônimo de cinema de arte nos quatro cantos da terra é sucesso de bilheteria na Espanha, seu país natal.
O espanhol Pedro Almodóvar é mais amado pelo público do que pela crítica em seu país. No estrangeiro ocorre o inverso
No Brasil, Fernando Meirelles é um bom exemplo dessa bifurcação. Cidade de Deus, grande sucesso do cinema nacional e um dos catalisadores do bom momento que o nosso cinema vive, é, em última análise, um filme de arte. Tanto que arrebatou Cannes e toda a classe artística internacional que vira e mexe arranja uma brecha para exaltar o filme de Meirelles. Cidade de Deus é comercial? Também. Linguagem, ambientação e estrutura narrativa facilitam essa percepção. Ao confluir arte e indústria, Meirelles obteve sucesso em uma seara difícil. É lógico que um filme comercial não nega a arte, mas tão pouco a reafirma. Meirelles pensou primeiro no que tinha que dizer e depois na forma de fazê-lo. Essa é ainda a melhor maneira de se “pensar” cinema. E ao se contemplar um filme, é possível intuir qual foi a atitude do cineasta.
Fernando Meirelles exige controle criativo sobre seus filmes. Ele se incumbe de pensá-los primeiro
É lógico que há filmes que obedecem apenas a lógica mercantilista dos estúdios e mega produtores. Era assim na era de ouro de Hollywood e ainda é assim na era da internet. Existe uma horinzontalização da produção cinematográfica. Adaptações de HQs, remakes, reboots, continuações. Hollywood gosta de operar dentro de uma margem de segurança. Mas até mesmo nesse nicho tão bem resolvido existe espaço para divagações artísticas. O que dizer de filmes como Batman – o cavaleiro das trevas, Os bons companheiros de Scorsese, ou até mesmo O poderoso chefão de Coppola (uma superprodução dos anos 70)?
São filmes - a primazia - comerciais, mas com fortes componentes ligados ao cinema de arte.
Como pode se ver, a percepção no que toca a definição de artístico e comercial é traiçoeira. Roman Polanski é outro exemplo interessante. Campeão de bilheteria na França nos anos 60 e 70 e não tão valorizado por lá até bem pouco tempo atrás, Polanski sempre foi tido como expoente do cinema de arte em outros lugares do mundo (como no Brasil). A tal da percepção passou a ficar mais homogênea (ou influenciável) com o advento da internet e da indefectível globalização. A teoria do autor (teoria de cinema popularizada com o surgimento da Nouvelle Vague nos anos 60) ainda é parâmetro para se medir o cinema de arte. Mas já há concessões. A tolerância ao cinema de arte é hoje muito maior do que no passado. Prova disso foi a vitória do filme Uncle Boonmee Who can recall his past lives no festival de Cannes deste ano. O diretor Apichatpong Weerasethakul admitiu que gosta de filmar sem roteiro. Que se pudesse escrever o que gostaria de filmar, não faria um filme, faria outra coisa. Isso diz muito sobre a percepção de arte no cinema hoje. Os engajados nesse tipo de cinema que não necessariamente é arte, embora seja tomado como tal, se orientam pela lógica brilhantemente capturada pelo pensador Millôr Fernades: “Se se ganha dinheiro, o cinema é uma indústria. Se se perde, é uma arte!” No fim das contas, essa deturpação sociológica é dominante.
Cena de O escritor fantasma, último filme de Roman Polanski: Um diretor de forte identidade autoral que até bem pouco tempo atrás não era valorizado em seu país
Ótima questão levantada, a linha tênue entre arte e indústria sempre caminhou juntas. E para mim é isso mesmo, coisas que são impossíveis de se separar.
ResponderExcluirArtigo interessantíssimo e um tipo de discussão que também está presente em outros nichos de mercado, afinal qual é a fronteira entre a ARTE e o que é meramente um produto de consumo já que há produtos na indústria que são feitos por tipos de artistas? Acho que depende muito do tipo de produção "artística" e depende de quem é o "artista" por trás da ARTE, mas acima de tudo também depende muito do posicionamento do marketing por isso no Cinema há produtos que são realizados por grandes mentes artistas e que são ótimos produtos comerciais.
ResponderExcluirAcho que o Cinema é um território aberto e é um campo de percepção mesmo, mas também acho que há gênios do Cinema que são artistas e outros que são mentes mais ordinárias. Eu ainda penso que a ARTE é feita somente por quem é realmente um artista e nem todo diretor é um artista.
À medida que educamos o nosso olhar notamos porque Steven Spielberg e Martin Scorsese, por exemplo, fazem uma arte que é também comercial. É possível conciliar ambos!
Bjs!
Essa discussão está ficando cada vez mais interessante e bacana, muito mesmo.
ResponderExcluirOs filmes 'artísiticos' hoje são os tão conhecidos independentes, pode notar, a maioria deles fazem um enorme sucesso e são chamados de 'arte', pelo simples feato de não ter uma meta comercial mas surpreender com sua história ou dramas. Acho que o cinema hoje em dia perdeu um pouco a 'arte' ou a inocência de se fazer cinema, mas também não siginifica que estamos em maus lençois, mas é claro, o cinema anda muito comercial, com o intuito de arrasar logo na primeira semana, tem que haver essa preocupação afinal como haverá outros filmes depois sem dinheiro ?
Mas o problema está aí eles pensam em dinheiro e esquecem de fazer um filme, apenas um filme.
[me perdi, sempre me perco nas discussões]Mas ainda estamos em tempo, a arte não morreu apenas se renovou.
Luis Galvão: Concordamos plenamente Luis. Afinal, os radicalismos não levam a lugar algum, não é mesmo? abs
ResponderExcluirMadame: Como era de imaginar,concordamos madame. Aliás, na seção Insight da semana que vem, que aborda a Pixar (em virtude do lançamento de Toy story 3), eu faço uma comparação mais ou menos como essa entre Pixar e Scorsese. bjs
Alan:Se perdeu não rapaz! É que essa discussão é plural mesmo. Acho que a grande contribuição desses meus dois textos, se é que podemos entender que houve alguma contribuição, é a da possibilidade de derrubar rótulos. Há mais arte no que supomos não ser arte sendo produzida no cinema e menos arte onde imaginamos ter arte. É! Complicado assim.rsrs. Há quem diga que se não é complicado não é arte! rsrs
abs