Lars Von Trier quer ou não quer falar de sexo? Lá pelas
tantas de Ninfomaníaca – volume I, o espectador hesita a respeito das reais
pretensões do diretor. Mas não foi apenas o público que ensimesmou-se com este
primeiro volume do díptico do dinamarquês. A crítica também se dividiu e o
pouco unânime Von Trier, sob o bastião da publicidade recorde amealhada por sua
obra, foi mais polarizador ainda. O filósofo Luiz Felipe Pondé apreciou este
primeiro volume. Para ele, Von Trier, sem piedade, provoca com um
questionamento perturbador: “Há sentido na vida, no universo, no corpo, no
desejo? Suas protagonistas sofrem na carne a resposta aparentemente negativa a
esta pergunta”. Pondé continua: “sua arte se move em dois níveis: o radicalmente
contemporâneo e o absolutamente eterno. Toda grande arte deve ser assim:
encarnada na vida cotidiana e aberta ao espírito do infinito. Por isso, a
espiritualidade negativa exposta no Anticristo e em Melancolia assume em
Ninfomaníaca - Volume 1, a
forma da carne feminina que pinga de desejo”.
O crítico Chico Fireman, autor do ótimo blog Filmes do
Chico, pensa diferente. Além de não identificar o choque tão propalado pela
campanha promocional do filme, Fireman enxerga na narrativa desvelada pelo dinamarquês
o mesmo ressentimento do sexo que parece sombrear, na avaliação do crítico, sua
obra. “Existe um grande peso sobre a proposta, sobre a ideia do sexo em si,
como se tudo o que envolvesse o tema, os desejos da protagonista, fizesse parte
de um plano macabro ou de uma conspiração maquiavélica. O sexo é mau, parece
bradar Von Trier, como se o cineasta se saciasse em denunciar o sexo e não em
se aprofundar sobre as motivações da personagem. Por isso, a figura de
Seligman, vivido por Skarsgård, que se aproxima tanto de um padre confessor
quanto a de um juiz, carregue tanta opressão em sua fala supostamente mansa”.
Fireman observa ainda o que seria uma falta de ética do cineasta na articulação
de sua dramaturgia. “Não existe problema algum em expor seus pudores, mas
camuflá-los e fingir convertê-los num suposto comportamento liberal apenas
porque está se tratando de sexo, sob a égide de se estar realizando um estudo
sobre a vida sexual de uma mulher, é – isso, sim – libertinagem e vulgarização.
Nada do que Von Trier já não tenha feito, de uma maneira ou de outra, com
outros temas, em outros filmes”.
Joe (Charlotte Gainsbourg), um animal enjaulado ou uma figura oprimida em busca de compreensão e perdão?
Já o crítico Mário Abbade enxerga nessa volatilidade
dramática, a mais pura – e assumida – manipulação por parte de Von Trier e
lembra que o cineasta costuma prometer uma coisa e entregar outra. “O cineasta,
irônico, saca um filme de sexo sobre o vazio — e apresenta o pornô como algo
broxante. De quebra, ainda demonstra, pós-revolução sexual, como são comuns,
nas salas, risos nervosos quando a imagem é a de um pênis, por mais flácido e
inofensivo que pareça”. Outro prestigiado crítico brasileiro, Daniel Shenker,
ajusta sua opinião a de Fireman e acredita que Von Trier investiu mais no
potencial de escândalo do que em uma proposta artística consistente. Ele condena
a opção do dinamarquês por uma estrutura que chama de “monótona” e o critica
por “inserir referências que não ultrapassam o plano da embalagem erudita” e
fazer com que os “atores digam com certa gravidade um texto de qualidade
duvidosa”.
Pondé sai-se com uma analogia que, talvez, resuma a
frustração que circunda esse primeiro volume. “Entre a idiota crença
contemporânea na revolução sexual e a agonia da luxúria como marca do sexo
livre, Von Trier opta pela segunda. Joe, a mulher ‘dona de seu corpo’, se vê
como um animal numa jaula, andando de um lado para o outro, indo pra lugar
nenhum”.
Continuo achando esse filme um retrocesso para o cinema. Elementos desnecessários que acabaram criando uma grande expectativa, na minha opinião, somente pelas polêmicas envolvendo a produção do longa. Abs.
ResponderExcluirExcelente, Reinaldo! Adorei o contraponto entre visões diferentes sobre um mesmo filme. Assisto "Ninfomaníaca - Parte 1" nesta semana!
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