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domingo, 2 de fevereiro de 2014

Insight: Repercutindo Ninfomaníaca - volume I



Lars Von Trier quer ou não quer falar de sexo? Lá pelas tantas de Ninfomaníaca – volume I, o espectador hesita a respeito das reais pretensões do diretor. Mas não foi apenas o público que ensimesmou-se com este primeiro volume do díptico do dinamarquês. A crítica também se dividiu e o pouco unânime Von Trier, sob o bastião da publicidade recorde amealhada por sua obra, foi mais polarizador ainda. O filósofo Luiz Felipe Pondé apreciou este primeiro volume. Para ele, Von Trier, sem piedade, provoca com um questionamento perturbador: “Há sentido na vida, no universo, no corpo, no desejo? Suas protagonistas sofrem na carne a resposta aparentemente negativa a esta pergunta”. Pondé continua: “sua arte se move em dois níveis: o radicalmente contemporâneo e o absolutamente eterno. Toda grande arte deve ser assim: encarnada na vida cotidiana e aberta ao espírito do infinito. Por isso, a espiritualidade negativa exposta no Anticristo e em Melancolia assume em Ninfomaníaca - Volume 1, a forma da carne feminina que pinga de desejo”.
O crítico Chico Fireman, autor do ótimo blog Filmes do Chico, pensa diferente. Além de não identificar o choque tão propalado pela campanha promocional do filme, Fireman enxerga na narrativa desvelada pelo dinamarquês o mesmo ressentimento do sexo que parece sombrear, na avaliação do crítico, sua obra. “Existe um grande peso sobre a proposta, sobre a ideia do sexo em si, como se tudo o que envolvesse o tema, os desejos da protagonista, fizesse parte de um plano macabro ou de uma conspiração maquiavélica. O sexo é mau, parece bradar Von Trier, como se o cineasta se saciasse em denunciar o sexo e não em se aprofundar sobre as motivações da personagem. Por isso, a figura de Seligman, vivido por Skarsgård, que se aproxima tanto de um padre confessor quanto a de um juiz, carregue tanta opressão em sua fala supostamente mansa”. Fireman observa ainda o que seria uma falta de ética do cineasta na articulação de sua dramaturgia. “Não existe problema algum em expor seus pudores, mas camuflá-los e fingir convertê-los num suposto comportamento liberal apenas porque está se tratando de sexo, sob a égide de se estar realizando um estudo sobre a vida sexual de uma mulher, é – isso, sim – libertinagem e vulgarização. Nada do que Von Trier já não tenha feito, de uma maneira ou de outra, com outros temas, em outros filmes”.

Joe (Charlotte Gainsbourg), um animal enjaulado ou uma figura oprimida em busca de compreensão e perdão?

Já o crítico Mário Abbade enxerga nessa volatilidade dramática, a mais pura – e assumida – manipulação por parte de Von Trier e lembra que o cineasta costuma prometer uma coisa e entregar outra. “O cineasta, irônico, saca um filme de sexo sobre o vazio — e apresenta o pornô como algo broxante. De quebra, ainda demonstra, pós-revolução sexual, como são comuns, nas salas, risos nervosos quando a imagem é a de um pênis, por mais flácido e inofensivo que pareça”. Outro prestigiado crítico brasileiro, Daniel Shenker, ajusta sua opinião a de Fireman e acredita que Von Trier investiu mais no potencial de escândalo do que em uma proposta artística consistente. Ele condena a opção do dinamarquês por uma estrutura que chama de “monótona” e o critica por “inserir referências que não ultrapassam o plano da embalagem erudita” e fazer com que os “atores digam com certa gravidade um texto de qualidade duvidosa”.
Pondé sai-se com uma analogia que, talvez, resuma a frustração que circunda esse primeiro volume. “Entre a idiota crença contemporânea na revolução sexual e a agonia da luxúria como marca do sexo livre, Von Trier opta pela segunda. Joe, a mulher ‘dona de seu corpo’, se vê como um animal numa jaula, andando de um lado para o outro, indo pra lugar nenhum”.

2 comentários:

  1. Continuo achando esse filme um retrocesso para o cinema. Elementos desnecessários que acabaram criando uma grande expectativa, na minha opinião, somente pelas polêmicas envolvendo a produção do longa. Abs.

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  2. Excelente, Reinaldo! Adorei o contraponto entre visões diferentes sobre um mesmo filme. Assisto "Ninfomaníaca - Parte 1" nesta semana!

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