Teu ódio será minha herança!
É raro quando as luzes do cinema se ascendem e você se dá
conta de que acabou de testemunhar um daqueles momentos únicos do cinema: o
nascimento de uma obra-prima. No caso de O lobo de Wall Street (The Wolf of
Wall Street, EUA 2013) o sentimento é imediato. A imagem dos cordeiros olhando
fixamente o lobo que os hipnotiza com charme, beleza e altivez encerra um filme
apoteótico, sarcástico (como poucas vezes Scorsese se permitiu ser), vibrante,
nervoso e profundamente reflexivo não só daquele microcosmo de loucura,
devassidão e ganância que tem em Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio) sua principal
bússola, mas também do público que reage ao que se vê na tela de maneira
diversa. Jaz nessa receptividade conflituosa e tergiversada o grande ás desse
filme pensativo e provocador. Ao convidar o espectador para vislumbrar o
desbunde de uma vida sem regras, sem limites e por vezes chocante, mas sempre
entorpecente, Scorsese ativa a bússola moral do espectador e o desafia a fazer
um julgamento que o próprio Scorsese posterga, para finalmente completá-lo de
maneira sutil, silenciosa e deliciosamente debochada.
Em O lobo de Wall Street, baseado nas memórias do próprio Belfort,
testemunhamos a ascensão de um homem que como tantos outros chegou a Wall
Street com tesão por ganhar dinheiro, fácil, de preferência. E a ascensão de
Belfort foi meteórica. Dono da própria empresa e faturando cerca de U$ 50
milhões no ano de seu 26º aniversário, o mundo parecia seu quintal e Belfort e
seus amigos agiam de acordo com essa impressão.
Estamos no terreno dos personagens que sempre querem mais.
“Você precisa botar a necessidade na mesa”, diz o mentor de Belfot, vivido com
energia absurda por um assombroso Matthew McConaughey. A necessidade, no
entanto, elabora Scorsese, é uma moeda de duas faces e manobras ilegais logo se
tornam um elemento básico do negócio.
O pulmão do filme: a cena em que o personagem de McConaughey explica Wall Street para o personagem de DiCaprio dá o tom do filme e se caracteriza como um dos grandes momentos do cinema neste ano
Não é um conto moral o que tece o cineasta de Os bons
companheiros e essa é a principal divergência entre este filme e produções como
Wall Street (1987) e Margin Call – o dia antes do fim (2011). Aliás, esse filme
guarda similaridades entusiasmantes com Os bons companheiros. A perversidade, a
total falta de escrúpulos e a percepção de se estar acima do bem e do mal
alinham os personagens de ambos os filmes. Scorsese sabe disso e, tal como em
Os bons companheiros, observa esses personagens interagirem em seu habitat com
o cinismo que merecem.
Se não é um conto moral, o que move O lobo de Wall Street? A
psicopatia. Scorsese sabe como poucos, analisar o ser humano em seu estado mais
corrompido, mais falimentar. Não há interesse em justificar o comportamento de
Jordan e seus comparsas, apenas observá-los confinados a essa amoral e perigosa
torre de babel.
Do roteiro de Terrence Winter à fotografia de Rodrigo
Prieto, passando pela montagem, pela trilha sonora, pela direção de arte e
finalmente culminado nas esplendidas atuações, O lobo de Wall Street é
cinema de verve. Cascudo, inteligente, irrepreensível.
Leonardo DiCaprio na pele do voraz e cativante Belfort
atinge o pico de uma carreira já estabelecida nas mais altas notas. A
insanidade de Belfort, seja nos seus discursos megalomaníacos ou depois de
tomar pílulas e cheirar carreiras de cocaína, é adensada por um Leonardo
DiCaprio inimaginável, fogoso, raivoso e absoluto. Jonah Hill, como seu fiel
escudeiro, não fica atrás. Dos olhos gulosos aos dentões brancos expostos,
passando pela homossexualidade sugerida, sua atuação é adrenalina pura.
Martin Scorsese faz um retrato fiel de Wall Street? Se você
faz essa pergunta é porque não entendeu o filme. O retrato fiel em questão é do
colapso do espírito humano. Daquele tipo de gente que se perde em si mesmo e
não necessariamente faz qualquer esforço para se achar. É aquele universo dos
tipos que se julgam os donos do mundo. É esse o retrato fiel, sem concessões e
eufemismos, pintado por um cineasta no auge de sua forma.
A cada nova crítica que leio, mais cresce a vontade de assistir a "O Lobo de Wall Street". Perdi as pré-estreias, mas estarei neste final de semana para prestigiar a estreia definitiva deste longa do grande Martin Scorsese.
ResponderExcluirRealmente um filme intenso. Brilhante trabalho do Scorsese, que só peca pelo excesso de tempo. Di Caprio está insano e Jonah Hill é a grande surpresa do longa. Também escrevi sobre o filme, depois dê uma conferida. Abs.
ResponderExcluirwww.cinemaniac2008.blogspot.com
Assisto a "O Lobo de Wall Street" amanhã e estou bastante ansiosa para ver o que acharei do filme. Espero gostar tanto quanto os meus amigos blogueiros cinéfilos.
ResponderExcluirÉ mesmo uma obra intensa, com várias nuanças que também me encantou. A cena final com aqueles olhares ansiosos querendo aprender a "fórmula" é incrível, assim como a conversa dele com Matthew McConaughey. Assusta ver que muita gente não entendeu e até distorceu o sentido de tudo.
ResponderExcluirbjs
Kamila: Gostou. Não gostou? Desde já o filme do ano!
ResponderExcluirabs
ThiCarvalho: Eu não achei o filme longo. Acho tudo muito bem editado e as três horas, necessárias na minha avaliação, passam voando. Mas sua queixa encontra empatia em muita gente.
Abs
Amanda: Ignorância é algo que, infelizmente, sobrevive em muitas classes sociais. O ataque ao filme é um sintoma disso.
Bjs