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domingo, 27 de outubro de 2013

Especial O quinto poder - Interesse público e público pouco interessado

O quinto poder, depois de ter dividido a crítica, registrou uma estreia pífia nos cinemas americanos. Mas muito mais pífia do que previam os mais pessimistas analistas da indústria. Mesmo com uma distribuição larga, o filme fez pouco mais de U$ 1 milhão de bilheteria no primeiro fim de semana. Analistas já ponderam se esse flop pesará contra a ascensão de Benedict Cumberbatch em Hollywood. Alarmismo à parte, o fracasso de O quinto poder nas premiações já era previsível depois da recepção mista em Toronto, mas há realmente condições de surpreender-se com o desempenho comercial risível do filme?
Já há algum tempo foi observado neste blog que O quinto poder era um filme difícil de ser vendido para plateias americanas. Em parte porque a personalidade de Julian Assange é bastante contestada na grande mídia de lá e em parte porque o momento do WikiLeaks, aquele momento de apoteose, já passou. Além do mais, o espectador médio não costuma ser tão politizado ao ponto de compartilhar de uma investigação ficcional como a que se propõe O quinto poder. Como não se produz nada em Hollywood hoje que não esteja adequado ao mercado internacional, as chances do filme em países com gostos cinematográficos mais afinados à agenda política tem maiores chances de abraçar o filme. De qualquer maneira, não é o tipo de filme para se aspirar grandes ganhos comerciais.

Cena de O quinto poder, o tipo de filme cujo sucesso é mais do que relativo...

A Disney emitiu nota declarando grande frustração com o desempenho do filme neste primeiro fim de semana. Analistas sugerem que as próximas cinebiografias de Assange (duas já estão no forno) poderiam ser prejudicadas. Esse transe coletivo oculta um dado muito mais alarmante. Os filmes feitos para adultos inteligentes não estão recebendo o apoio merecido e a leitura pertinente a seus propósitos.
Woody Allen, por exemplo, percebeu que é bom negócio lançar seus filmes nas férias de verão (época voltada para os blockbusters) e vem colecionando as melhores bilheterias de sua carreira. Mesmo lançamentos de grandes estúdios, quando de temáticas mais complexas, costumam ter um lançamento restrito a principio e depois ir expandindo. No caso de O quinto poder, com suas críticas divididas, o estúdio resolveu jogar logo todas as suas fichas. Lincoln, um filme basicamente falado e sobre tramoias políticas, dado como certo no Oscar e com direção de Steven Spielberg, teve um lançamento restrito em Nova Iorque e Los Angeles e depois foi expandindo. E se tratava de um filme de estúdio, não uma produção independente – afeita a esse tipo de lançamento. Lincoln acabou amealhando uma bela bilheteria, apesar de não ser, também, nenhuma unanimidade.
A hora mais escura, outro filme integrante da lista do Oscar 2013, também teve um lançamento restrito e contou com apoio fervoroso da crítica – americana em especial – mas não conseguiu atrair interesse do público. É justamente aí que se estabelece a relação com O quinto poder. Ambos os filmes apresentam temas polêmicos e que passam ao largo da escala de interesses do americano médio. Se A hora mais escura mostrava a caçada sem catarse por Osama Bin Laden e colocava a tortura no centro de um questionamento ético (mal elaborado), O quinto poder revela as origens do site Wikileaks e a ideologia defendida por seu mentor. Ao que relatam os maiores articulistas de jornais americanos e europeus, o maior problema de O quinto poder é justamente sua hesitação em tomar partidos. Crítica que poderia ser feita, mas não foi, pelo menos pela maioria da crítica americana, ao filme de Kathryn Bigelow.  

Cena de Argo, o último vencedor do Oscar, filme adulto com pegada pop e jeito de sátira, mas que quer falar sério. A bilheteria do filme surpreendeu analistas que até hoje não conseguem entender exatamente porque Argo fez tanto dinheiro, cerca de U$ 150 milhões somente nos EUA  

Jessica Chastain em ação em A hora mais escura, um dos filmes mais discutidos entre o fim de 2012 e o início de 2013, mas que não fez dinheiro. Se não fosse o Oscar, mal chegaria aos U$ 90 milhões que arrecadou. Argo, para ficar na comparação, completou sua carreira comercial antes das indicações ao Oscar

Meryl Streep e Steve Martin em cena de Simplesmente complicado, exemplo de comédia romântica inteligente feita para um público mais maduro e sofisticado: elas ainda são raridade em Hollywood

Aí se revela a paixão. Filmes adultos por natureza agregam esse aspecto à avaliação. Vira e mexe algum artista fala, e encontra eco na mídia, de que não se faz tantos filmes pensantes para adultos verem como antigamente. Até se faz. Ocorre que não se pode exigir deles o mesmo desempenho dos filmes que atingem faixas etárias mais contumazes no cinema. Outro aspecto é a falta de fé de estúdios, distribuidores e exibidores nesse produto. Conexão perigosa, que até pode não ser a melhor fita de espionagem da história e que estreou há duas semanas no Brasil, carrega a pecha de pior bilheteria da carreira de Harrison Ford. É um filme com uma ótima premissa e um desenvolvimento pobre, mas ainda assim um filme para um público mais sofisticado. Sofisticação narrativa, argumentativa e temática também pode ser vista em um filme como O capital, do grego Costa-Gravas que teve lançamento escondido nas salas de cinema paulistanas e não sobreviveu à agenda de lançamentos inflada pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Javier Bardem e Cameron Diaz em O conselheiro do crime: apesar do elenco estrelado, o filme para lá de hermético é um potencial fracasso de bilheteria

Há filmes bons e filmes ruins para adultos, assim como há filmes bons e ruins de super-heróis. Falta é uma referência mais sólida e adequada para se medir o interesse despertado por essas produções que não os números que servem como base para medir o sucesso da última comédia romântica ou o mais recente 007. Tanto A hora mais escura como O quinto poder, para ficarmos nos exemplos cabais desse artigo, renderam pautas e mais pautas na mídia internacional e ensejaram um debate de vida muito mais longa do que duas horas dentro do cinema.

Um comentário:

  1. É, mesmo com o fracasso, eu ainda sigo curiosa, mas uma coisa é possível perceber, o trailer não empolga tanto, é confuso, cada vez mais, o público gosta de ir ao cinema sabendo o que vai ver.

    bjs

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