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terça-feira, 22 de outubro de 2013

Crítica - Obsessão

Ambição e umidade

Lee Daniels fez história não só por ser o segundo diretor negro indicado ao Oscar de direção, mas por levar o pequeno Preciosa – uma história de esperança (2009) à consagração no Oscar e junto a crítica. O filme, com mais virtudes do que defeitos, e a recepção calorosa a ele, ensejaram uma expectativa alarmante para a sequência da carreira de Daniels, até então produtor, como cineasta. Sob muitos aspectos, Obsessão (The paperboy, EUA 2012) é uma escolha ousada. Primeiro porque cristaliza a ambição de Daniels como cineasta ao enfileirar uma série de temas, segundo por ser essencialmente um drama de cores fortes, mas que vai além da retórica racial – contingenciamento algo voluntário no primeiro trabalho de Daniels como diretor. Há também a disposição de dar dois personagens essencialmente dramáticos a dois atores de pouca expressão nesse departamento: Zac Efron e Matthew McCounaughey – que quando gravou este filme ainda não colhia os louros da mudança de ares no cinemão ianque.
Esses aspectos já revelam o quão interessante Obsessão é enquanto experiência cinematográfica. Mas há outros predicados. Nicole Kidman como uma periguete quarentona com uma tara por prisioneiros tem uma personagem cheia de potencialidade, ainda que eventualmente subaproveitada pelo roteiro – escrito por Daniels em parceria com Peter Dexter. Há, ainda, como força motriz da história a paixão voraz de Jack (Efron), por essa mulher de fortes tendências manipuladoras e a espirituosa relação implícita nesse contexto à ausência materna. Há, também, a sombra dos conflitos raciais e um breve adendo da intolerância ao homossexualismo nos idos dos anos 60. Há uma trama policial, mal costurada, a conferir fluxo a toda essa postulação narrativa. O jornalista Ward (McCounaughey) volta a sua cidade natal para investigar a suspeita de que um homem no corredor da morte não teve um julgamento justo. Junto com seu irmão Jack, um jornalista de moral duvidosa (David Oyelowo) e a periguete vivida por Kidman constituem a última fronteira entre Hillary (John Cusack) e a cadeira elétrica. Esse caso interessa menos a Daniels do que a atmosfera daquela cidade e como ela influencia os personagens.

Nicole kidman, gemendo em cena (e tomando conta) de Obsessão: elenco em alto nível

Obsessão é feito para chocar. Fortuitamente e no acumulado. Essa disposição de falar em um tom mais grave se mostra um tanto diversionista. Daniels tem muitos objetivos com seu filme e não chega a atingi-los de maneira satisfatória em sua integralidade. Mas há mais pontos positivos do que negativos. Além da coragem de colocar personagens negros como moralmente desviados ou personificações da intolerância (um salto se comparado ao discurso de Preciosa), o diretor convence ao fazer um registro quente da sarjeta. Seus personagens são pobres de alma em busca de amor e redenção e vítimas de um calor inconsequente. Há muita umidade em Obsessão e o fato de você poder senti-la, a despeito dos pingos que escorrem do torso de Zac Efron (surpreendente no personagem), é um mérito de uma direção segura e ciente de seus propósitos.

Se a ambição desmedida afeta o resultado final de Obsessão, também coloca o filme como peça-chave na construção de uma carreira mais sólida, interessante e íngreme do que se imaginava em um primeiro momento.

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