Cinema de tato
A estreia no cinema de ficção do ex-crítico de cinema Kleber
Mendonça Filho é, sob muitos aspectos, um evento cinematográfico. Aclamado pela
crítica internacional e elogiado em todos os festivais de cinema pelo qual
passou, O som ao redor (Brasil 2012) é um triunfo de domínio estético e vigor
técnico. No entanto, a glória amealhada pelo longa pernambucano não vai muito
além disso. O que não implica em atestar que o filme não merece a fama que
ostenta. O som ao redor é sim um filme muito bom, pensativo, moderno nos
arranjos e na estrutura, mas é, também, um produto demasiadamente asséptico em
virtude das opções de seu cineasta. Posto de maneira simples é um filme de quem
entende de cinema em sua mecanicidade e não necessariamente em sua
emocionalidade.
O som ao redor rejeita a formatação consagrada pelos filmes
corais de Robert Altman. Não que os personagens aqui excedam os arquétipos dos
filmes que apresentam múltiplos personagens, mas a maquinação narrativa da obra
de Filho é distinta; mais oxigenada.
Estamos no território da classe média recifense que serve de
espelho para a classe média brasileira ou mesmo de qualquer outro nacionalidade. Em se
tratando de cinema brasileiro de arte, esse aparte por si só já é digno de
nota.
O cineasta acompanha um conjunto de personagens que moram em
uma mesma rua, a rua em que ele mesmo foi morador por muito tempo, e dá à
rotina da vizinhança o protagonismo de seu filme. É uma proposição inusitada
que Filho vai preenchendo de dramaticidade simplesmente valendo-se da
observação. A singeleza do registro contrasta com os inventivos ângulos
capturados pela câmera do diretor e, também, pela opção de cortes abruptos no
raciocínio da cena. Um recurso emprestado do cinema de Buñuel que pode ser
observado tanto na inesperada cena de violência entre duas vizinhas quando da
entrega de um aparelho televisor ou quando o cineasta observa duas crianças
imitando a dublagem de filmes em meio ao clímax da fita.
São opções corajosas que reforçam o esmero estético de Filho
que, na ponta do expressivo cinema pernambucano, invoca um cinema modernizante
e reflexivo tanto de sua técnica como de seu contexto social.
Outro ponto forte dessa proposta é a atenção aos sons. A
trilha sonora natural é um riquíssimo elemento narrativo admoestado por Filho
com muita perspicácia na construção das cenas.
No entanto, a despeito de toda essa técnica apurada, O som
ao redor falha em se comunicar amplamente com o público. Em última instância,
Filho realizou um filme para crítico ver. Daí a razão do filme ter rodado amplo
circuito de festivais antes de sua limitadíssima estreia no país. Sem grandes
esforços para cativar o público, O som ao redor é como aquela escola de samba
que faz um desfile técnico pela avenida para gabaritar a nota com os jurados,
mas não empolga uma alma nas arquibancadas.
Filho não deixa de ser um orgulho para os críticos de
cinema, de certa forma vingados por sua destreza técnica e inventiva linguagem
cinematográfica, mas é, também, um testemunho de que fazer cinema é ir além da
retórica formal de qualquer cineasta.
Reinaldo, você faz uma nota esplêndida deste filme que tanto estou curioso para conferir. Vou mais preparado agora. Excelente comparação com o desfile técnico de uma escola de samba. Eu não poderia fazer uma analogia dessas como você.
ResponderExcluirAbraço.
Discordo bastante, o olhar de Kleber é muito humano, há muita verdade ali, as pessoas que assistem ao filme sentem isso, se identificam com situações e personagens. O filme pode não seguir um modelo clássico hollywoodiano de "emocionar" a plateia, mas dialoga sim com o público, na tensão, na construção e na catarse final, e por isso está fazendo um sucesso incrível, com pouquíssimas cópias e sessões lotadas. A estética e técnica, discretas, são usadas a serviço do cinema, no que ele tem de melhor, contar uma história. "Cinema de arte" é o rótulo mais equivocado que se pode dar ao filme. Até "filme de terror" cai melhor. É um filme que dá medo, em mais de um sentido.
ResponderExcluirNão sei se o cinema em 2013 será capaz de entregar um filme mais audacioso e desafiador que "O Som ao Redor". Absolutamente brilhante!
ResponderExcluirRodrigo Mendes: Obrigado pelo elogio Rodrigo. Vc me envaidece! O filme é muito bom, mas não é o assombro que se faz crer na crítica se consideradas todas as suas reminiscências.
ResponderExcluirabs
Fernando Vasconcelos: Ok Fernando. Obrigado por sua defesa apaixonada do filme. Em muito me agrada poder debatê-lo nesse espaço. Permita-me algumas observações.
- Filme de terror pode ser comercial ou de arte. Por certas opções estéticas e narrativas se convenciona dizer que filmes como "O som ao redor" são de arte. Assim como "Cisne negro", que foi um sucesso de público em virtude de suas indicações ao Oscar. Assim como este filme ambicionou amior notoriedade com seu trânsito por festivais e com a inscrição para concorrer ao Globo de ouro.
Bem, concordo que haja verdade no filme e que nós (público) identificamos e reconhecemos muito do aventado dramaticamente. Justamente por estarem ali arquétipos representativos de nossa realidade. São personagens sem grande expressão fora da situação em que estão inseridos. É preciso reconhecer isso. Ainda que a opção por atores não profissionais diminua essa noção, outro acerto estético de Filho neste filme. Agora, discordo muito de vc quando vc classifica a estética e a técnica do filme como discretas. Não o são. E acho que aí, querendo elogiar, vc até diminui o filme. São justamente técnica e estética que saltam aos olhos. São esses elementos, mais do que qualquer outro que enumeram os elogios que o filme tem angariado. Não vejo descrição na proposição de Filho. Toda a construção é feita para ressaltar sua técnica apurada e sua estética ousada.
Existe catarse, mas ela não necessariamente é uma "catarse final" como vc defende. E esse é o rompimento mais claro e satisfatório com essa lógica hollywoodiana que vc entende que eu defendi com minha crítica. Gostei de "O som ao redor". É um belo filme. Mas é um filme para crítico, como eu disse. Em parte por esse sobejamento técnico e estético que o público ignora e em parte pela arrogância com que se anuncia. Não se trata de sentimentalismo. Paul Thomas Anderson e David Fincher, para ficarmos em exemplos de cineastas jovens e com uma filmografia ainda em construção, apresentam depuração técnica e proeminência narrativa sem apelar ao sentimentalismo hollywoodiano.
Enfim, trata-se de um belo filme. Mas não tão brilhante quanto poderia ser, se Filho atenta-se como diz essa nova música do Capital inicial "à perfeição do imperfeito".
Grande abraço
Elton: Acho que não. É certamente dos projetos amis audaciosos em anos.
Abs
Bom, Reinaldo, não sei se é por estar na categoria de crítico, mas o filme me envolveu, me surpreendeu, me tocou, hehe. Não vejo esse distanciamento que você fala de um filme perfeito para crítico se deliciar e longe do público. As tramas ali são cotidianas, são próximas, quem nunca se irritou com o som do vizinho, ou discutiu em uma reunião de condomínio ou pagou por sua segurança com medo de ser assaltado? A cena do lavador arranhando o carro da mulher que o trata mal, a família da empregada espalhada pela casa, mesmo a briga estranha das vizinhas, acho tudo muito próximo da realidade da classe média. Não acho apenas representações, acho que o roteiro costura tudo dando verdade. E o final meio que amarra tudo, com aquela surpresa trazendo a tal catarse que você sente falta... Saí com uma sensação de satisfação e não foi apenas pela técnica e estética que saltam aos olhos. Mas, ainda verei de novo e vou observar melhor suas ponderações.
ResponderExcluirbjs
Amanda: Obrigado por seu comentário sempre rico e diligente Amanda. Primeiro, faço questão de reiterar algo: não senti falta de catarse. A catarse existe. Só não a classifico, até pelos fins que se propõe "O som ao redor" como "catarse final" como colocou o Fernando. É esse aparte que eu faço em meu comentário anterior. Isso posto, reforço que gostei muito do filme e reforço tb que vejo todas essas situações por ti apresentadas como representações arquétipicas sem muita expressão fora do contexto aventado por Filho. É lógico que nos identificamos, se não fosse assim o filme seria um fracasso discursivo (o que não é). O seu comentário enseja um qzinho de "Cosmópolis" que não consigo identificar em "O som ao redor". Lá Cronenberg confronta o lado que deu certo do capitalismo com o lado que deu errado. Não vejo esse confronto de classe média e classe baixa, sugerido por essa "catarse final" em "O som ao redor". Vejo uma boa relação, mas não tão rica narrativamente.
ResponderExcluirMas enfim... é um belo filme, ainda que não tão bom quanto se propaga...
Bjs
Sinceramente, não consigo entender tantos elogios. Um dos piores filmes que vi nos últimos tempos!
ResponderExcluireu não gostei do filme,eles pegaram as cenas mais triviais de um novela,cenas que passariam despercebidas e fizeram o filme e tiraram a história principal
ResponderExcluiro filme é cheio de pontos abertos e termina com o barulho de bombinhas de são joão
eu não entendo como alguém pode gostar de um filme desse