Vamos falar de sexo?
Com Shame em cartaz, parece irresistível falar sobre sexo no cinema. A fita de Steve McQueen demonstra o suplício cotidiano de um homem viciado em sexo, mas vai além: enfoca a solidão contemporânea e a volatilidade das relações interpessoais em tempos como os que vivemos. O tema da fita inglesa premiada no último festival de Veneza, ainda que não seja essencialmente uma novidade, é abordado de maneira corajosa, sem amarras e com forte propulsão sensorial. Mais do que qualquer coisa, McQueen parece interessado em envolver, de maneira provocativa, seu espectador no debate que propõe. Nesse sentido, Shame se diferencia de produções como o francês Para poucos, exibido recentemente nos cinemas paulistanos e que deve chegar em DVD ainda no primeiro semestre. Embora a fita francesa de Antony Cordier apresente uma discussão tão profunda a respeito do sexo e se valha da mesma liberdade praticada por McQueen com seu filme, não há o interesse de colocar o espectador no centro de debate. É, antes de qualquer coisa, uma opção estética e deve ser respeitada. Em Shame, as escolhas de McQueen se provam muito felizes.
Os quatro protagonistas de Para poucos, cuja crítica pode ser lida aqui: dois casais começam a se namorar e, aos poucos, vão descobrindo novos limites para relacionamentos e sexo
Closer-perto demais, por exemplo, recorre a uma lógica teatral para falar de sexo. Há muita verborragia e nenhum sexo em um filme que se permite ser cru, cruel, sensual, excitante, dramático, conflitante e, por vezes, áspero. Mike Nichols confia nos atores e em um texto absolutamente maravilhoso para construir o painel que objetiva. Até mesmo por sua procedência nas artes plásticas, é compreensível que McQueen avance em termos de linguagem na dialética narrativa que almeja com Shame. Sam Mendes, nesse contexto, foi mais conservador na linguagem, mas não no discurso em Beleza americana. O sexo é o principal catalisador para as mudanças que acometem os personagens. As frustrações dos personagens estão ligadas intimamente às respectivas vidas sexuais. O principal motor da radical mudança sofrida pelo protagonista tem a ver com o desejo latente pela amiga de sua filha. A hipocrisia é o alvo de Mendes e, para ele e para o roteirista Alan Ball, não há como falar de hipocrisia sem mirar no sexo.
Natalie Portman e Clive Owen em cena de Closer-perto demais, eleito o melhor filme da década passada pelo blog: um filme que aborda as sombras de toda e qualquer relação amorosa e não se vale de subterfúgios para fazê-lo
Personagens trágicos: Lester (Kevin Spacey), de Beleza americana, e Brandon (Michael Fassbender), de Shame, têm no sexo catalisadores de angústias e insatisfação; ainda que lidem com sexo de maneira totalmente diferente
Os quatro filmes citados constituem um espelho interessante sobre como o sexo é abordado tematicamente no cinema, e, também, sobre as possibilidades estéticas e discursivas disponíveis para tal.
Desde O último tango em Paris, um filme idealizado para falar da nossa relação com o sexo não era tão significativo. São 40 anos entre o filme protagonizado por Marlon Brando e Maria Schneider e Shame. E os 40 anos podem ser sentidos. Confrontando os dois filmes é possível percebê-los candidamente como retratos de suas respectivas eras. Não obstante, compartilham de algumas particularidades. Se o filme de Bertolucci foi proibido em muitos países, inclusive no Brasil, à época de seu lançamento, Shame foi banido nos EUA das salas de cinema da rede Cinemark que o considerou “pornográfico e abaixo do nível de qualidade exigido pela rede”. Coincidentemente, ou não, o filme não integra a programação da rede no Brasil.
O diretor Steve McQueen, que fez campanha assídua para que Michael Fassbender fosse indicado ao Oscar, provocou dizendo que a esnobada se deu em razão dos “americanos temerem o sexo”. Talvez seja verdade. Muito provavelmente é um exagero da parte de McQueen. De qualquer maneira, passa por Shame a mudança desse panorama.
Excelente matéria Reinaldo!
ResponderExcluirÉ sempre discursivo falar de sexo.
Fui procurar o filme de Cordier depois da sua crítica e achei interessante. É notável como cada diretor propõe um panorama para um assunto que é vasto.
Ótimo você ter relacionado Beleza Americana com Shame na qual os protagonistas estão, mesmo que em situações diferentes, sofrendo sexualmente. Lester despirocou e ficou alegre, Brandon despirocou e ficou ainda mais melancólico, mas ambos compartilham de uma solidão.
Adoro CLOSER e graças a um magnífico roteiro (o texto da peça deve ser extraordinário) é o filme sexual verborrágico mais cru e que também compartilha similaridades com Shame na maneira em que os personagens se magoam e sofrem de carência amorosa e sexual. Não vemos o sexo, é verdade, mas como em Shame, não vemos nenhum carinho entre o quarteto de "Closer".
"O Último Tango em Paris" é o pai de todos esses exemplos, um clássico que mostra de maneira polêmica todo um descontrole sexual. Paixão fogosa e conflitos no amor. Uma pena que nos tempos atuais Shame tenha sofrido essa proibição. Muita hipocrisia. Parece que quando o assunto é sexo nada muda em quarenta anos. O preconceito e a vergonha permanecem.
Abraço.
Bom link, de fato. Boa matéria. E eu sigo ainda sem ter visto Shame, os horários aqui em Salvador do filme estão horríveis.
ResponderExcluirbjs
Honestamente, adorei o tema a ser debatido e acho que você devia ir além, aumentando o seu corpus e nos presenteando com mais apresentações de sua pesquisa acerca do assunto. Assisti "Closer - Perto Demais" duas vezes e, honestamente, jamais o vejo de novo, tamanho a crueza dolorosa do filme que não fala apenas sobre sexo, mas mostra o como desejar alguém pode ser quase um delito, uma infração contra si mesmo. Reitero: fale mais sobre isso.
ResponderExcluirCara, dá uma passada no meu blog pra conferir a Maratona de opiniões do Oscar 2012 que começou hoje.
Belo texto, Reinaldo. Ainda não assisti “Shame”, mas acho que o sexo é um grande tabu ainda. É um tema cuja discussão ocorre, raramente, com naturalidade. Filmes como “Shame”, por isso mesmo, intimidam ou causam polêmica. Nesta temática do seu texto, provavelmente meu filme favorito sobre essa nossa relação com o sexo é “Perdas e Danos”, de Louis Malle. Acho uma obra sexy, sem ser vulgar, com os atos sexuais sendo filmados de uma maneira quase poética e realista. Não sei se você conhece a obra.
ResponderExcluirBeijos!
Rodrigo Mendes: Poxa Rodrigo, obrigado mesmo pelos elogios e pelo comentário enriquecedor. É como dizem por aí: A América tem fetiche pela violência, mas enrubesce ante o sexo...
ResponderExcluirAbs
Amanda:Obrigado Amanda. Sorte aí na administração dos horários. Espero que consiga ver Shame no cinema.
Bjs
Luís: Obrigado Luís. Esse é um tema que já foi abordado, ainda que por angulos distintos, e voltará a ser recortado aqui em Claquete. Closer é mesmo um filme forte e cruel, no entanto, é estranhamente apaixonante.
Fiquei muito feliz com seu entusiasmo em relação ao post. Valeu mesmo.
Passarei lá no teu blog sim.
Abs
Kamila:Obrigado pelo comentário Ka. Conheço sim e adoro "Perdas e danos". Inclusive tenho o DVD. Contudo, acho que "Perdas e danos" não acrescenta, em termos estéticos, à discussão aventada pelo post. Tematicamente é sim pertinente, mas o foco é o confronto entre discurso e estética.
Bjs