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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Oscar Watch 2012 - Crítica da 84ª edição do Oscar

Saudosismo e pragmatismo


A consagração de O artista movia um interesse mórbido entre indústria e cinéfilos. Estaria a academia de Artes e Ciências de Hollywood disposta a premiar um filme não anglo-saxão? A campanha perpetrada pelo todo poderoso Harvey Weinstein – que pelo segundo ano garante a um filme por ele distribuído o Oscar de melhor filme – induzia a uma flexibilização desse raciocínio. Weinstein focava menos no fato de O artista ser francês e mais na homenagem ao cinema que a fita emanava. Menos na simplicidade da proposta e mais no exotismo da estética. Por coincidência, a consagração de O artista rimou com a poesia visual de Martin Scorsese, cujo A invenção de Hugo Cabret angariou cinco Oscars (fotografia, direção de arte, efeitos especiais, edição de som e mixagem de som). Coincidência? Premiar Woody Allen quase 20 anos depois de seu último Oscar e, finalmente, conduzir Meryl Streep à distinta galeria dos intérpretes que possuem três Oscars desfazem essa impressão. O Oscar 2012 potencializou o culto à indústria que o próprio Oscar é em sua concepção. Mas Por quê? Porque o cinema anda saudoso de si mesmo. O que ajuda a explicar porque A invenção de Hugo Cabret triunfou na área técnica e O artista em prêmios mais nobres. O filme de Michel Hazanavicius nos lembra de uma narrativa mais simples e do poder embevecedor que o cinema desperta quando transpira meramente pelo cinema. Virou lugar comum apontar a segregação entre a academia e o público. Mas é deverás injusto taxar a academia de elitista. Como instituição, reveste-se da autoridade de premiar o que de melhor foi produzido no ano. Não são as bilheterias que distinguem o que foi produzido de melhor. Ainda que não possam ser desconsideradas. A academia, ainda que de forma bastante trôpega, tem tentado afinar essa relação.
Em 2012, o Oscar para O artista foi justo, entre outras razões, pelo fato de ser o melhor filme entre os nove concorrentes. Simples assim. O filme francês sobeja em algo que falta a seu sinônimo americano em matéria de homenagem ao cinema: ele não aliena o público médio. A audiência contemporânea – aquela desacostumada dos filmes mudos e em preto e branco – entra ressabiada para uma sessão e sai maravilhada com esse pequeno manifesto de amor à Hollywood de ontem e que fala, também, sobre a Hollywood de hoje. Vive-se um novo momento de crise no cinema. O assédio da pirataria, a profusão de novas mídias (ipads, celulares e outras plataformas) como lembrou o host Billy Crystal e a franca uniformização da produção cinematográfica – cada vez menos criativa – acendem o sinal de alerta. O sentido político da escolha de O artista como o melhor filme de 2011 se circunscreve nesse miolo. É um filme que fala sobre como Hollywood se saiu após uma crise de igual estatura: o advento do som. Todo um modelo de produção teve de ser repensado. É mais ou menos a situação que se vive agora. Se o Oscar fosse para A invenção de Hugo Cabret, esse manifesto talvez não ficasse tão evidente. Ao optar por O artista, além da ode à nostalgia, revela-se a preocupação com o futuro. Essa preocupação também deu o tom do show produzido por Brian Grazer e ancorado pelo comediante Billy Crystal.

Berenice Bejo e Jean Dujardin aplaudem: noite francesa no Oscar que abre bons precedentes...


Ossos do ofício
Foi uma cerimônia mais dinâmica e enxuta do que as anteriores. Crystal exibiu aquela confiabilidade característica de quem é veterano na função de apresentar o Oscar. Não ofendeu ninguém, flertou com as piadas politicamente incorretas ao brincar com George Clooney e Nick Nolte e deixou alguns dos apresentadores brilharem como Angelina Jolie – que resolveu reavivar seu sex appeal – Emma Stone, Robert Downey Jr. (uma aposta sempre segura) e Chris Rock.
Se a cerimônia de tv não foi um arroubo de criatividade, teve na sobriedade e no humor sutil sua marca registrada.
Também foram sóbrias as escolhas da academia nas categorias técnicas. Com o franco domínio de A invenção de Hugo Cabret. Os Oscars de fotografia, efeitos especiais e mixagem de som não são exatamente justos, mas não são exatamente injustos. Serviram ao propósito de engrandecer o apuro técnico do filme de Scorsese.
As escolhas para melhor roteiro já eram mais antecipadas. Roteiro adaptado foi para Os descendentes – o filme independente americano mais aclamado pela crítica na temporada. E o prêmio de roteiro original foi para Meia-noite em Paris, fita que viabilizou o maior sucesso comercial da carreira de Woody Allen. São prêmios válidos, ainda que houvesse concorrentes melhores em ambas as categorias. A mesma lógica se aplica para as escolhas dos coadjuvantes do ano. Tanto Plummer, mais pela carreira do que pelo papel em Toda forma de amor, como Octavia Spencer (uma força indesviável em Histórias cruzadas) são opções legítimas, ainda que não fossem as melhores em suas respectivas categorias.
O que mais chama a atenção no Oscar 2012 é sua incrível vocação estrangeira. O que pode dar pistas para uma nova orientação daqui para frente. A vitória de uma produção não anglo-saxônica na categoria principal, eminentemente, reverberará nos corredores da indústria. Em que termos, porém, ainda é uma incógnita. Também foi a primeira vitória do cinema iraniano e do cinema paquistanês no Oscar. A primeira vitória de um diretor e ator franceses nas categorias principais. Roman Polanski, é bom lembrar, é franco-polonês. Mediante tantas “primeiras vezes” e sob o signo francês é até reconfortante saber que a primeira vez do Brasil ainda segue por vir. Tanto "Real in Rio" quanto "Man or muppet" são canções sofríveis e, para o bem da utopia nacional, é positivo que a alardeada “vitória” do Brasil no Oscar não tenha vindo em 2012.

Os homens de preto: Jim Rash, Alexander Payne e Nat Faxon são os roteiristas premiados pelo texto de Os descendentes


O que veio foi o terceiro Oscar de Meryl Streep. E alguém discorda? A própria atriz brincou com a agonizante espera que virou um dos paradigmas do Oscar. “Quando disseram meu nome eu pensei em metade do público dizendo: ela de novo... mas que seja”. Uma frase sintomática do que significa esse terceiro, aguardado e merecido Oscar. A atriz não defendia a melhor performance do ano, apesar de sua presença em A dama de ferro ser, de longe, o que de melhor este filme tem a oferecer. Mas o Oscar a Streep é daquelas coisas inquestionáveis como 2 e 2 são 4.
Ironicamente, apesar de mais justo e merecido, o Oscar para o francês Jean Dujardin é mais questionado. Há quem acredite que esse era o momento de “consagrar” George Clooney. Se Clonney está soberbo em Os descendentes, Dujardin está extraterrestre em O artista. Há de se louvar a academia por honrar um estrangeiro em uma categoria em que concorriam dois dos maiores astros americanos vivos. Dujardin era, de fato, o melhor ator do ano. E o Oscar teve o discernimento, amparado pelo charme cativante do francês, de reconhecer isso.
A edição 84 dos prêmios da academia foi mais justa do que as três últimas; e essa deferência precisa ser feita. O último vencedor do Oscar inquestionável foi Onde os fracos não têm vez em 2008. De lá para cá, em menor ou maior grau, Quem quer ser um milionário?, Guerra ao terror e O discurso do rei provocaram descontentamento e suscitaram dúvidas sobre o desprendimento da academia. Ainda que tenha sido uma premiação previsível, o Oscar foi honesto com suas proposições e com as expectativas daqueles que o cercam. Essa condição, em última análise, é que mais precisa ser louvada. 

3 comentários:

  1. Reinaldo, o primeiro parágrafo de sua crítica foi certeiro! Uma das melhores análises recentes que li sobre a indústria cinematográfica e os prêmios da Academia. Parabéns! :)

    Também notei a mesma coisa que você: essa sensação de nostalgia e de preocupação com o futuro. É como se Hollywood quisesse retomar o seu lugar no topo da indústria cinematográfica, após a grande crise criativa, econômica que estão passando. Curioso é que isso venha representado por uma premiação estritamente norte-americana, reconhecendo, pela primeira vez, uma produção estrangeira em sua categoria principal.

    Sem dúvida alguma “O Artista” é o melhor filme do ano e, provavelmente, o melhor vencedor do Oscar de Melhor Filme dos últimos anos. São prêmios incontestáveis, assim como são aqueles que foram conquistados por “A Invenção de Hugo Cabret”.

    Concordo plenamente com sua visão sobre a cerimônia e sobre a característica mais globalizada do Oscar. Acho que isso vai reverberar até de uma forma positiva na indústria cinematográfica norte-americana, porque expande a visão deles, os desafia a sair, especialmente, da crise criativa na qual se encontram.

    Acho justa a vitória do Dujardin, porque o trabalho dele em “O Artista” é bem mais difícil que o do Clooney em “Os Descendentes”.

    Beijos e parabéns, mais uma vez, pela análise!

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  2. Ótima análise, Reinaldo e você tem toda razão quando aponta que O Artista não é exatamente saudosista, mas preocupado com o futuro, afinal, Valentin passa pela crise e se reinventa, assim como o cinema e a industria estão preocupados em se reinventar e levar as pessoas para o cinema. No geral, achei a premiação coerente e justa. Assim como seu texto.

    bjs

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  3. Kamila: Poxa, obrigado Ka. Fiquei muito feliz com seus elogios. Eu realmente achei esse o Oscar mais justo dos últimos anos.
    bjs

    Amanda: Obrigado Amanda. Feliz de concordarmos.
    bjs

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