Apresentação
Clint Eastwood dispensa introduções. É em seus adornos de homem feito e evoluído a tradução mais fiel de lenda viva. Homem de muitas mulheres e de uma mulher só, amante da boa música (queria ser pianista), toca vários instrumentos e compõe maravilhosamente bem. Esteve na guerra da Coréia e teve a coragem de mudar conceitos, rodou um filme para tornar isso público (Gran Torino). É republicano (já não tão) fervoroso e símbolo de uma América alfa que se enamora das armas, mas rodou filmes liberais como Menina de ouro.
Ator que não teve medo de aprender. Começou na profissão por ser bonito, mas teve que ir para fora do país, pois na América não encontrou espaço. De muso dos spaghetti italianos virou o maior autor do cinema americano. Seus filmes mobilizam críticos. A imprensa se surpreende com sua vitalidade. Em 2006 e 2008 lançou dois filmes de maneira simultânea. Clint mantém um escritório na sede da Warner, estúdio com quem mantém contrato, em Los Angeles. É admirado como homem, artista, intelectual e profissional. É um entusiasta da vida e de suas experiências. Figura apropriada para a inauguração deste novo espaço em Claquete.
Primeiro filme
Perversa paixão (Play misty for me, EUA 1971)
Clint Eastwood realiza, com invejável propriedade, esse drama em que um locutor de rádio mulherengo (o próprio Eastwood) engata um romance com uma fã no mesmo momento que a ex-namorada retorna a cidade decidida a reconquistá-lo. Um romance que vai ganhando corpo como thriller e que revela um diretor ágil, dinâmico e econômico.
Repisando as tradições
O estranho sem nome (high plans drifter, EUA 1973)
Após uma elogiada estréia como diretor, Eastwood se sentiu a vontade para conceber o próprio western emulando Leone nesse filme em que um forasteiro se incumbe da paz em um vilarejo. Um filme que honra as tradições do gênero e não denuncia um diretor iniciante.
A glória repentina
Os imperdoáveis (The unforgiven, EUA 1992)
Vinte anos separaram Eastwood do retorno ao western como diretor. Aqui ele revê o mito que ajudou a construir e demole alguns paradigmas do gênero com simplicidade narrativa, propriedade visual e uma história crepuscular que se agiganta a cada revisão.
Não à toa, o filme conquistou quatro Oscars e saudou o até então questionado Eastwood como um diretor reconhecido.
O próprio chefe
Um mundo perfeito (A perfect world, EUA 1993)
No mesmo ano, Eastwood estrelou Na linha de fogo, o último filme em que trabalhou para outro diretor. Um mundo perfeito marca uma nova fase em sua carreira em que só atuaria sob as próprias ordens. No filme, ele desvela uma trama de angústias e frustrações escondida em um filme de sequestro. Kevin Costner protagoniza, mas Clint surge como um homem da lei com alguma bagagem. Pensativo, Um mundo perfeito é dos primeiros Clints pessimistas a surgir no cinema.
Os brutos também amam
As pontes de Madison (The bridges of Madison county, EUA 1995)
Muitos até hoje se surpreendem ao constatar que Clint Eastwood é o diretor deste melodrama romântico e profundamente sereno sobre o amor. Hoje a surpresa incide menos, mas à época de seu lançamento, As pontes de Madison causou espantos na crítica e desorientação nos fãs mais conservadores de Eastwood. Ele contracena com Meryl Streep e dirige um doloroso epílogo amoroso com sensibilidade e coração. Um filme doído, verdadeiro e que figura como um dos pontos altos do cineasta.
Fase policial
Poder abolsuto (Absolute power, EUA 1997)
Com a segurança como diretor mais do que estabelecida e o trânsito pelos gêneros consolidado, Eastwood deu início a uma bem humorada fase policial. Esse filme em que Gene Hackman faz um presidente americano envolvido em uma trama de assassinato, Clint faz um ladrão de obras de arte que se transforma em peça chave do caso. Aqui Clint enseja um dos temas mais caros a sua filmografia, a orfandade e a questão da paternidade. Seu ladrão tem sérios problemas de relacionamento com a filha, vivida por Laura Linney.
A fase policial continuaria com Meia noite no jardim do bem e do mal (1997), Crime verdadeiro (1999), Dívida de sangue (2002) e culminaria no neo-clássico Sobre meninos e lobos (2003).
Clint com os dois oscars conquistados em 2005 por Menina de ouro: prestígio crescente em Hollywood
Canto do cisne
Cowboys do espaço (Space cowboys, EUA 2000)
Esse é o filme que mais se aproxima de uma comédia dentro da filmografia de Clint. Ele reuniu uma turma de veteranos (Tommy Lee Jones, James Garner e Donald Sutherland) para estrelar essa fita de ação sobre um time de veteranos astronautas que precisa resgatar um satélite no espaço. Era como se Clint antecipasse a fase áurea de sua carreira como diretor e se despedisse de sua encarnação anterior como artista.
A nova vida
Sobre meninos e lobos (Mistic River, EUA 2003)
A tragédia como elemento desagregador é a ideia que move esta crônica policial de tintas escuras narrada com maestria por Eastwood. O filme que rendeu críticas elogiosas levou Clint a Cannes e ao Oscar – de onde estava afastado desde Os imperdoáveis – e revelava um diretor sem medo de assumir sua veia autoral.
Sean Penn e Kevin Bacon em uma das últimas cenas de um dos filmes mais dolorosos do cinema recente
Consagração suprema
Menina de ouro (Million Dollar babay, EUA 2004)
Um ano após a erupção provocada pelo sublime Sobre meninos e lobos, Eastwood volta a causar impacto com outra história dolorosa sobre perdas. Triste, Menina de ouro, no entanto, acena com a redenção que faltara ao Eastwood anterior. De underdog, virou o grande filme de 2004 e faturou os Oscars de filme e direção. Clint entrava para o seleto grupo de diretores a ostentar mais de um prêmio da academia.
A história da boxeadora e seu treinador que desenvolvem uma relação de afeto e carinho desemboca em uma dolorosa história sobre recomeço, perdão e eutanásia. Mas o filme é tão magnânimo e humano que escapou à polêmica.
A outra face da guerra
A conquista da honra/Cartas de Iwo Jima (EUA/Japão 2006)
Cada vez mais confortável na posição de autor, Eastwood realiza esse projeto audacioso sobre uma das batalhas mais icônicas da segunda guerra mundial. Com produção de Steven Spielberg, Eastwood rodou um filme sobre a indústria da guerra e como a propaganda é vital para sua sustentação. Foi durante a produção de A conquista da honra que Eastwood teve a ideia de rodar um filme a partir da perspectiva japonesa do conflito. O incomum ponto de vista do lado perdedor da guerra rendeu nova indicação ao Oscar ao cineasta. Cartas de Iwo Jima sacramenta a visão autoral de Eastwood ao privilegiar um diálogo com os sentimentos e buscar um olhar inédito sobre o conflito.
A despedida do ator
Gran Torino (EUA 2008)
O gosto pela direção já estava mais do que provado e Eastwood jamais colhera tantos louros no ofício quanto na década de 00. A decisão de assumir inteiramente a direção, abandonando o ofício como ator, deu mais importância a esse drama revisionista e profundamente humano que lançou em 2008. Gran Torino é um testamento do ator Eastwood e mais uma prova do cineasta articulado, democrático e robusto que é Eastwood. O filme sobre o veterano da guerra da Coréia que vai sobrepujando seus inúmeros preconceitos a medida que o filme avança é uma lição de vida sem ser moralista. É dos grandes filmes, ainda que rigorosamente simples, da história do cinema.
Clint Eastwood com uma grávida Angelina Jolie no festival de Cannes de 2008, onde exibiram em competição A troca
Inquietação temática
Além da vida (Hereafter, EUA 2010)
Da altivez de seus 80 anos, Clint Eastwood tem se permitido experimentar. Realizou outro filme sobre o perdão disfarçado de biografia (Invictus) e enveredou por um drama de conotação espírita que celebra a vida (Além da vida). O filme protagonizado por Matt Damon é dos mais estilizados de Clint, mas mantém a propriedade narrativa, o esmero acadêmico e o classicismo que caracterizam seu cinema.
O diretor manipula efeitos especiais com destreza e investe na sutileza para amparar uma história de comunhão muito maior do que a restrita sinopse da fita sugere.
Cenas dos próximos capítulos: Clint Eastwood e Leonardo DiCaprio no set de J.Edgar. Ninguém ainda viu o filme, mas ele encabeça a lista de favoritos ao Oscar 2012 de quase todo mundo. Para o ano que vem, Clint irá dirigir o remake de Nasce uma estrela que será protagonizado pela cantora e atriz Beyonce
Cenas dos próximos capítulos: Clint Eastwood e Leonardo DiCaprio no set de J.Edgar. Ninguém ainda viu o filme, mas ele encabeça a lista de favoritos ao Oscar 2012 de quase todo mundo. Para o ano que vem, Clint irá dirigir o remake de Nasce uma estrela que será protagonizado pela cantora e atriz Beyonce
Muito bom, Reinaldo, um perfil bem completo e ele merece. Mas, confesso que gosto mais de Clint Eastwood como diretor que ator.
ResponderExcluirbjs
TExto maravilhoso para um dos meus idolos. Parabens por esse novo espaço q abre nesse seu excelente blog, Reinaldo. Vida longa ao Claquete, sempre saudando o q há de melhor no cinema.
ResponderExcluirBelo detalhamento aqui, Reinaldo, parabéns!
ResponderExcluirAdmiro muito os trabalhos de Eastwood, como diretor, claro.
Mas, ao contrário da grande maioria, não considero todos seus trabalhos eficientes. Ao meu ver, 'Menina de Ouro', por exemplo, se apoia nos cliches mais bobos possíveis. E ninguém percebeu isso? acho o filme normal e não entendo essa euforia em torno dele. É tudo forçado ali. Nem mesmo a direção dele funciona. Mas, é gosto mesmo.
Gosto, ao contrário de todos tb, mais de "A Troca", esse mexeu mais comigo e acho que é um dos momentos mais brilhantes da carreira de Jolie.
"Além da vida" mexeu também e vi muita gente insatisfeita com o resultado do roteiro. Pena, o filme é sensibilidade pura. E "Gran Torino" e "As Pontes de Madson" são marcantes.
"Sobre meninos e lobos", esse sim, merecia os oscars de filme e direção, por exemplo.
Abraço e parabéns pelo texto!
Excelente comentário sobre a filmografia de Clint! Ao contrário de muitos, gosto muito dele como ator, acho que ele só foi melhorando no ofício de diretor e isso oscila demais: Os Imperdoáveis-Cowboys do espaço-Sobre Meninos e Lobos... E acho as fitas policiais que ele dirigiu e estrelou ótimos thrillers, com exceção de Sobre Meninos e Lobos que carrega um melodrama delicado.
ResponderExcluirÓtimas passagens e comentários sobre as principais fitas deste autor. Eastwood, o cara mais mau encarado do cinema, rs! Gostei.
Abraços Bro.
Rod.
Muitoa boa a matéria, parabéns!
ResponderExcluirE eu amo Eastwood de todas as formas: ator, diretor, roteirista. O cara é ótimo!
http://cinelupinha.blogspot.com/
Bela matéria. Consegue contar muito bem toda a trajetória do Clint, um dos meus diretores favoritos e claro, foi um cauboi "bad-ass" também. rsrsrs. ;)
ResponderExcluirBeijos! ;)
Parabéns pela postagem laudatória!
ResponderExcluirGostei muito de todos os detalhes!
Ótima matéria Reinaldo. Não tenho o que contestar ou dizer. Adoro Clint. Um dos melhores cineastas atualmente!
ResponderExcluir[]s
UAU! Meus parabéns pela EXCELENTE postagem. Eu nem sabia que o Eastwood era compositor! Como assim? Hahahahaha
ResponderExcluirAcho o duo-de-guerra do Eastwood bem preconceituoso (Cartas de Iwo Jima beeeeeem menos, claro).
Amei essa sessão de filmografia comentada. Posso convidá-lo para fazer uma para o Cinebulição no mês de agosto? Aí você aproveita e já tem a sua sessão para publicar aqui também! Hehehehe.
O diretor que eu pretendo fazer Especial no Cinebulição no próximo mês é o José Mojica Marins. Não sei se você gosta dele. Uma coluna como essa seria um bom chamativo para o Especial. Pense aí. Qualquer coisa me diga!
Abração
Amanda: E foi o Clint diretor o foco aqui...
ResponderExcluirJá eu, gosto das duas facetas de Eastwood.
Bjs
Celo: Obrigado Celo. Clint tb é um de meus cineastas favoritos.
Abs
Cristiano: Obrigado Cris. Tb gosto muito de A troca. Acho que Eastwood soube usar muito bem Angelina como imã para um filme que navega por muitos gêneros. Agora, discordo veementemente de vc quanto A menina de ouro. não vejo soluções fáceis ali e sim alguns clichês (não muitos) trabalhados com sensibilidade ímpar.
Abs
Rodrigo: Brigadão meu caro.
Abs
Rafael W: Valeu Rafa. Somos dois apaixonados por Eastwood então.
Abs
Mayara: Obrigado Ma. Bjao
Emmanuela: Obrigado pelo comentário. Fico feliz que tenha gostado. Bjs
Alan: Disse tudo para quem não tinha o que dizer... rsrs
Valeu!
Luiz Santiago: Obrigado Luiz. Fico lisonjeado com o convite e vou te responder lá no Cinebulição.
Abs