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quarta-feira, 30 de março de 2011

Crítica - Bruna surfistinha

Cinderela devassa


É contumaz que Bruna surfistinha (Brasil 2011) comece com uma garota pouco sensual tentando se provar sexy com um hino do striptease de fundo musical. Não deixa de ser pontual que o filme termine com a personagem principal olhando para a platéia, ao abrir uma porta, fazendo o convite: “entra”.
Mais do que sugerir exibicionismo, as duas cenas separadas por toda a metragem da fita indicam que Bruna surfistinha é um filme que por trás de toda a fachada pop, tem algum interesse artístico. Esse interesse pode ser nivelado com a perfeição técnica (a montagem, a edição de som e a fotografia do filme impressionam), mas sucumbe à pretensão comercial. Bruna surfistinha é, em sua soma, um amontoado de clichês que nunca excede o lugar comum em termos dramáticos. A investigação que se promete da personagem que decide sair de casa para ser prostituta nunca se verifica. Existe sim a disposição em honrar os preconceitos existentes em relação àquela história. O argumento insiste que o movimento de Raquel para tornar-se Bruna foi de auto-afirmação. “Saí de casa para ter independência”. “Para que meus pais sentissem alguma coisa, nem que fosse raiva”, explica para a platéia em off a personagem de Deborah Secco. Não fosse pelo off, por vezes abandonado da narrativa, não se vislumbraria essa motivação em Raquel.
O que aflige mais, em contraponto com o slogan em letras garrafais (Vá com seu namorado, suas amigas ou sozinha. Só não vá com preconceitos.), é a disposição do filme em pintar a surfistinha como uma cinderela devassa. No final das contas, ela precisava de um homem que a enxergasse mais do que uma vagina (para mantermos a compostura) e a cena do bullying no início da fita induz essa inflexão. O filme falseia as expectativas e, apesar da forma arrojada e libertária com que espelha a rotina da personagem, estruturalmente se resolve de maneira conservadora. Pode-se argumentar que esse foi o desfecho de Bruna surfistinha, essa personagem criada para que Raquel entendesse a si mesma nas palavras da própria, mas o filme não tinha esse compromisso.
Compromisso foi o que Deborah Secco firmou com sua personagem. Exuberante em cena, Deborah despudora-se de corpo e alma para transformar-se em Bruna. Ela sim não julga a personagem. Vive-a intensamente com decalque pesquisado e intuitivo de uma atriz que demonstra segurança de cada escolha que faz na tela.
O diretor Marcus Baldini demonstra talento. Oriundo da publicidade, Baldini sabe vender seu filme. A pegada pop, que se cristaliza na trilha descolada, nos planos elaborados e nas cenas de sexo entremeadas pela luz solar, é o forte da fita. Bruna surfistinha, o filme, é tão intrigante e convidativo quanto sua biografada. Mas como cinema é essa decepção ululante e, até certo ponto, óbvia. Fosse um diretor curioso de sua personagem, Baldini avançaria à superfície. Descobriria aquela garota que furtada agarra a tesoura e parecendo uma leoa agride uma igual, mas que se inferiorizara alguns dias antes perante um garoto da escola. Essas cenas estão lá para legitimar uma transformação que, como o recorte das cenas lá de cima sugere, o espectador não sabe ao certo qual é. Ainda que a voz de Deborah surja para lhe informar.

7 comentários:

  1. O ponto forte do filme é mesmo a atuação da Deborah, se entregou realmente para a personagem. Percebe-se que quis mostrar trabalho, rs

    Se não fosse ela, o filme não teria a mesma força. Gostei da direção, mas funciona mesmo esteticamente falando, já em outros sentidos é tão pífio como o próprio roteiro.

    Mas no geral, acabei gostando!
    abs.

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  2. A ficção é bem mais convidativa mesmo Reinaldo. Eu "entrei" no filme. É uma ironia a verdadeira Raquel Pacheco ser tão apática e contraditória contando sua vida em entrevistas na TV, e vermos Deborah Secco tão brilhante e muito mais que uma atriz global de soup opera. Sua dedicação ao papel é 10!

    O filme é ótimo, interessante e bem dirigido. Baldini já tem o meu voto de confiança para um próximo projeto, que sim, irei sem preconceito.

    Tive preconceito mesmo a princípio, um filme que contava a vida de uma certa Bruna Susfistinha? Ainda acho ela um prostituta comum que não é exemplo para ninguém (que diz ter se arrependido por fazer cinema pornô que certamente foi o seu salto para a fama e o filme pula este fato se concentrando no blog), e apesar do filme ser óbvio, vale a pena. Afinal construir uma narrativa com a vida da Bruna por "Bruna" em seu livro, enfim... não vejo nada de melodramático nas escolhas da moça. Ainda bem que Secco segura as pontas e Baldini sabe os macetes do cinema.

    Abs.
    RODRIGO

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  3. Assisti hoje!
    Gostei do que vi, o filme se salva pela atuação da Deborah Secco e de tudo que parece ser ousado e pelo preconceito não encaramos...

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  4. "O argumento insiste que o movimento de Raquel para tornar-se Bruna foi de auto-afirmação." Esse eu acho o único pecado do filme. Fica estranho, mal explicado, acaba comprometendo algo. Mas, ao contrário de você me envolvi mais na história, fui levada pela ficção. E a atução de Deborah ajuda muito.

    bjs

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  5. Achei o filme um pocuo pretencioso demais, e falho nesse sentido. Mas é ótimo ver algo de diferente no cinema nacional. Poxa, tava cansado de ver favelas sendo retratadas, ou comedias bobas. Esse filme pode não ser o retrato que o brasileiro precise assistir, mas é disso que o cinema precisa, assuntos e temas diferentes. Deborah Secco está exuberante mesmo no papel, e talvez isso salve toda a projeção.

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  6. O filme tem uma ótima técnica, mas o roteiro pecou, na minha opinião. Especialmente no desenho que faz da motivação da entrada de Raquel na vida de prostituta. Todo mundo quer ser independente na vida, mas são poucas as que escolhem o caminho mais fácil pra isso....

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  7. Alan: Entretém msm. Alan e suas piadas de duplo sentido... rsrs Abs

    Rodrigo: Não acho o filme ótimo Rodrigo e, friso na crítica, ele vem carregado de preconceitos em um contrasenso que se torna flagrante. Essa é a grande incoerência da fita. Contudo, é um ótimo entretenimento. E são duas coisas bem diferentes aí...
    Abs

    Marcelo: Não tenho certeza se entendi exatamente o seu comentário, mas concordo que Secco é o que o filme tem de melhor. Abs

    Amanda: Tb embarquei na história Amanda. Curti o programa. Como dizem por aí... mas na pele de crítico, me vejo na contingência de apontar as incongurências do filme na proposta que ele apresenta...
    bjs

    Diego: Não sei o que vc quis dizer com "o retrato que o brasileiro precisa assistir", mas Bruna surfistinha sofre dos mesmos "atrasos estruturais" desses filmes de favela que vc alude... mais sobre isso na seção Insight do próximo domingo.
    Abs

    Kamila: Bem, mas essa foi a escolha dela. o problema é que o filme se limita a reproduzi-la sem muita inspiração e curiosidade. Aí reside um dos grandes poréns do filme...
    Bjs

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