O dono da rede (e a questão da autoria no cinema)
Aaron Sorkin, ao fundo de braços abertos, e o diretor David Fincher de óculos: Quem é o autor de um dos grandes clássicos contemporâneos do cinema?
Todo mundo concorda que um dos maiores trunfos de A rede social é o roteiro. Mais do que o brilhantismo do texto, o que mais chama a atenção na peça é a fluidez dos diálogos e o dinamismo das cenas. Quem assume a autoria desse verdadeiro oásis de criatividade moderna é Aaron Sorkin. Um americano que completará 50 anos em 2011, mas que escreve com o frescor de um universitário e com o vaticínio de um centenário. Sorkin é a principal mente criativa por trás da premiada série de TV The West wing e da incompreendida Studio 60 on the sunset strip. No cinema, afora Malícia (um roteiro primoroso, diga-se), sempre pôs sua pena a disposição de histórias que circundam o poder. São seus os roteiros dos filmes Questão de honra (1992), Meu querido presidente (1995) e Jogos do poder (2007). Contudo, A rede social, além de possivelmente lhe render o Oscar, será o principal pico de sua carreira.
Isso se deve porque o filme traz avante uma questão que vira e mexe acomete os observadores da indústria. Acerca da autoria de um filme. Quem deve ser creditado como autor da fita? O diretor ou o roteirista? Desde a Nouvelle Vague francesa, popularizou-se teoria (e a crítica de cinema a abraçou fervorosamente) de que o diretor é o autor maior de um filme. Nos últimos anos, alguns escribas como Charlie Kaufman puseram esta diretriz em cheque. Filmes como Brilho eterno de uma mente sem lembranças e Adaptação pareciam mais de Kaufman (e ele reclamava esse direito) do que dos cineastas Michel Gondry e Spike Jonze. A medida que diretores que são, antes disso roteiristas de seus próprios filmes, como Woody Allen, Quentin Tarantino e Sofia Coppola também se servem a nebular a questão da autoria no cinema. Pois é sabido que o primor de Allen, por exemplo, reside em seus textos, já que a direção não excede os limites do burocrático. Embora Sofia e Tarantino sejam visualmente mais inventivos, sem a primazia de seus roteiros, seus filmes certamente não renderiam tanto.
Em A rede social, David Fincher vem sendo louvado justamente por não ceder a intervencionices visuais e permitir que o texto de Sorkin flua livremente. Não é o melhor dos elogios que Fincher já amealhou como cineasta.
1- Charlie Kaufman posa com o diretorMichel Gondry e a atriz Kate Winslet que o ajudaram a faturar o Oscar pelo roteiro de Brilho eterno de uma mente sem lembranças; 2 -Sofia Coppola orienta Bill Murray nos sets de Encontros e desencontros, filme que lhe valeu uma indicação ao Oscar como diretora e o prêmio de roteiro original; 3-Woody Allen faz pose de quem já tem 8 indicações ao Oscar como roteirista
Essa discussão, na verdade, não é nova. Dentro da própria Nouvelle vague havia discordâncias. Elas podiam ser sentidas vivamente nas diferenças de estilos entre Godard e Truffaut. Mas não há como se chegar a um parecer definitivo a respeito. É lógico que roteiristas desempenham uma função muito mais importante do que estúdios, espectadores e mesmo críticos lhes dão crédito, mas no limiar, compete ao diretor sublinhar o texto com imagens. Gondry aproveitou os escritos de Kaufman melhor do que o próprio (Kaufman debutou na direção em Sinédoque Nova Iorque) e os textos de Tarantino renderam melhor sob seu olhar do que aos de outros diretores como Tony Scott e Oliver Stone. Será que alguém teria a sensibilidade de evocar feminilidades em imagens, sons e sensações aventados por Sofia melhor que ela? Enfim, o diretor pode ser generoso e colocar o roteirista no mesmo patamar que ele. Mas se o roteirista obtiver esse ganho, como ocorre com Sorkin este ano, o mérito também precisa ser dividido com o cineasta. Afinal, compete ao diretor eliminar gorduras, potencializar diálogos inventivos e cristalizar cenas memoráveis. Cinema é trabalho em equipe e, além do mais, quantos filmes não foram salvos por atores?
Se a gente for pensar bem, na verdade, os dois grandes filmes do ano são de cineastas autores (Fincher e Nolan), pessoas que imprimem mesmo suas marcas aos trabalhos que fazem. E ainda temos o "Cisne Negro" de Aronofsky, outro cineasta autor.
ResponderExcluirÉ, a discussão é antiga e acho que nunca terá fim. O pessoal da Nouvelle vague que defendia o diretor autor também defendia que o diretor deveria roteirizar seus filmes. Eu acredito que o cinema é mesmo coletivo e cada um acrescenta um pouco, mas dentro da indústria, alguns tem poder maior de decisão e isso acaba tornando-os autores do produto final.
ResponderExcluirAh, só para explicar a moderação no blog. Tive que fazer isso porque um engraçadinho anônimo estava esculhambando no post de Enterrado Vivo. Ele contou o final em um comentário, eu apaguei justificando o spoiler e aí ele voltou comentando várias vezes para contar o final. Coisas da internet livre. Uma pena.
bjs
Um bom roteiro é fundamental, mas cabe ao diretor potencializar todas as suas qualidades. Lendo o texto lembrei da polêmica entre Guillermo Arriaga e Iñarritu, dupla responsável pelos excelentes "Amores Brutos", "21 Gramas" e "Babel". Arriaga (roteirista) começou a reclamar q ele era o verdadeiro autor dos filmes, e os dois anunciaram seu rompimento em público.
ResponderExcluirAno passado Arriaga dirigiu de forma burocrática o regular "Vidas que Se Cruzam", agora quero ver como Iñarritu se saiu em "Biutiful", que dirigiu e escreveu. Aposto que será melhor.
Abs
Há! Excelente texto, Reinaldo. Muito bem pontuado, conciso, direto ao ponto e que levanta um assunto que é um verdadeiro tabu no cinema. Amarrou perfeitamente o final "quantos filmes não foram salvos por atores?" R.: Milhares!
ResponderExcluirA discussão não é nova mesmo, vire e mexe aparece para "atazanar" rs. Eu nunca gostei dos créditos iniciais aquela coisa "a film by FULANO". Como tu disse, cinema é trabalho de equipe, é sinergia pura, é complementação, um maestro não rege a orquestra sozinha, enfim. Acho pretensão, mas não condeno os créditos da obra serem inteiros para o diretor, como qdo Tarantino lançou "Kill Bill" e aquele marketing que parecia ressaltar mais que o filme "O 4º FILME DE QUENTIN TARANTINO". Acho muita auto indulgência, pois pode-se evitar essa propaganda desgastada...
abs!
Kamila: Cineastas autores é uma outra discussão Ka. Concordo pelnamente com sua intervenção. Nolan, Aronofsky e Fincher compõem muito bem esse perfil.Mas aqui o interesse era resgatar uma discussão prévia a essa. Beijos
ResponderExcluirAmanda: Eu sou do time que acho que o diretor é o autor supremo de um filme. O que não quer dizer que seja o único a concebê-lo enquanto obra. A crítica de cinema, por exemplo, com o passar dos anos eleva certos filmes a um status que eles não teriam sem o exercício da crítica. Bjs
Diego: Perfeito comentário Diego e ótima lembrança sobre o perrengue entre Arriaga e Iñrritu. Aliás outro roteiro de Arriaga foi muito bem aproveitado por Tommy Lee Jones em sua estréia na direção (Os três enterros de Melquiades Estrada), mas um bom roteiro só é depurado como tal se nas mãos de um bom diretor. Logo... abs
Elton: Vc não sabe como eu fiquei feliz de ler teu comentário cara! Obrigado pelos elogios e por ter capturado vivamente o espírito do texto. o deslocamento que ele propõe das instituições que nós cinéfilos e as próprias pessoas que fazem cinema tem. Vc deve se lembrar do conjunto de textos que coloquei aqui mesmo na seção Insight em que relativizava essa questão autoral. Enfim, A rede social valeu voltar ao tema que, ainda bem, não se esgota.
Aquele abraço!
Gostei muito do texto, estou sempre atrás de entender como funciona esse mundo coletivo do cinema. Também adorei sua consideração final "quantos atores não salvaram um filme?"
ResponderExcluirÓtimo texto. Adoro a abertura de TÁ CHOVENDO HAMBÚRGUER, em que aparece "Um filme de... Muita Gente", ressaltando a importância que cada membro de equipe e elenco exerce. Claro que todos estão sob os cuidados do diretor (que, por sua vez, pode estar abaixo dos produtores), que tem a tarefa mais difícil, de juntar todos os trabalhos coletivos e fazer o seu, na verdade, o "nosso". "Quantos filmes não foram salvos por atores?", excelente.
ResponderExcluirAline: Obrigado Aline. O cinema é um processo seletivo, mas digamos que quem finaliza a capa é o diretor e, bem sabemos, que muita gente julga um livro pela capa né? Bjs
ResponderExcluirMateus Denardin: Obrigado Mateus. Muito me alegra o fato do artigo tê-lo agradado dessa maneira. Um leitor sempre bem informado e com opiniões fortes, ressonantes e bem estabelecidas. Um aspecto do seu comentário me chamou a atenção e renderá uma seção Insight em breve: A disparidade do que chamamos filme de produtor do que chamamos de filme de diretor...
Aguarde!
Grande abraço!