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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Crítica - Além da vida

Um filme sobre vida


A evolução da obra de Clint Eastwood é das mais interessantes do cinema atual. Temas como o perdão, a morte e a orfandade se relacionam em seu cinema com uma propriedade e naturalidade que só alguém da estatura artística de Clint pode legitimar. Veja Além da vida (Hereafter, EUA 2010), por exemplo. Um filme que poderia facilmente se submeter à ode espírita e defender uma visão de mundo restrita e (por que não?) limitadora. Ao contrário disso, o que o filme propõe é um ardoroso culto à vida.
Seguindo a articulação proposta em filmes como Menina de ouro, Os imperdoáveis, Sobre meninos e lobos e Gran Torino em que os personagens tinham de lidar com a morte, em Além da vida, o interesse de Eastwood está mais no debate que se instaura a respeito da morte e menos no que há depois dela. George Lonegan (Matt Damon) é um médium que se ressente de sua condição. Apesar de já ter ganhado dinheiro com isso, largou o ofício e enquanto tenta ganhar a vida como operário, ensaia contatos sociais que possam eriçá-lo socialmente. Embora seja hábil nas conexões com os mortos, George padece no trato com os vivos. Marie Lelay (Cécile De France), após vivenciar uma experiência de quase morte, se engaja na tentativa de descobrir para onde vamos após o fim. Já o menino Marcus (vivido pelos irmãos George e Frankie McLaren) tenta se comunicar com seu irmão gêmeo Jason após a abrupta morte deste. As histórias seguem paralelas em países diferentes (Estados Unidos, França e Inglaterra respectivamente).
O diretor desenvolve as histórias em consonância e o bom ritmo só é traído próximo do fim, quando a conversão das histórias é realizada de maneira apressada e estruturada muito fragilmente. Mais aí o ônus é menos de Clint e mais do roteiro de Peter Morgan.
Além da vida tem sutilezas, reforçadas pela condução clássica do diretor, que precedem esse deslize. Seja na comunhão de eventos que marcaram a história recente da humanidade (como o tsunami na Ásia, o atentado terrorista no metrô de Londres ou a forte crise economia nos EUA que provocou demissões em massa) como catalisadores de mudanças dos personagens, ou na cena final algo onírica com que o filme se despede.

O menino Marcus recebe as cinzas do irmão: Como lidar com a presença da morte? A resposta não está em Além da vida, mas Eastwood oferece um brinde à vontade de viver...


Além da vida não é dos melhores filmes de Eastwood. Mas isso ocorre mais em virtude do excelente referencial do que pela qualidade da fita em questão; superior em todos os aspectos ao bom trabalho anterior, Invictus.
No campo das atuações, a habitual competência do diretor em extrair o melhor de seu elenco se verifica outra vez. Matt Damon está contido e fisicamente retraído no papel do médium desgostoso de sua condição. Uma composição tão sutil quanto o filme em si. Cécile de France assume bem as arestas de sua personagem que vê a confiança e auto-estima ruírem à medida que o filme avança. De France reveste sua caracterização de sensibilidade e entrega uma performance comedida. Mas o grande destaque da fita é mesmo o par de atores que vivem os gêmeos Marcus e Jason. George e Frankie McLaren se agigantam na tela com gestos, olhares e expressões e, com a ajuda da minimalista trilha sonora assinada pelo próprio Eastwood, tomam conta do filme.

3 comentários:

  1. Ah, que bom que você gostou e ressaltou o problema que também vi no roteiro. Aquela junção parece tirada da cartola, poderia ser melhor desenvolvida.

    O filme teve grande impacto em mim.

    bjs

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  2. Clint está ótimo assim: na forma de um cineasta que sabe o que quer! Acho que ele nao precisa voltar a atuar. Gran Torino fechou com chave de ouro. Invictus tbm é ótimo e estou para conferir este. Ótima premissa sobre o filme Reinaldo!

    Abs.
    Rodrigo

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  3. Amanda: O problema, na minha leitura, não foi nem tanto pelo encontro dos personagens. Mas pela forma repentina e apressada que se deu. O problema é que o filme fluia em um ritmo e o roteiro de repente contraria esse ritmo para incorrer em algo que o espectador já esperava...
    Tudo foi estruturado de maneira muito frágil. A oferta da editora inglesa pelo livro de Marie veio apressadamente e mal contextualizada, assim como a repentina mudança de humor de George (que já havia mudado antes e aceitado colaborar com o irmão, entre outros movimentos mal desenvolvidos. Não acho que a junção dos três foi forçada, só acho que poderia ter sido melhor introduzida...
    Bjs

    Rodrigo: Obrigado Rodrigo. E Gran Torino foi tão bom. Tão simples, que acho difícil ele se superar no futuro próximo...
    abs

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