Como definir a parceria de um artista plástico que faz cinema e de uma mulher cujo destino era ser atriz? David Lynch é o homem que vive de fazer arte (seja visual ou não) e Laura Dern é a mulher, cujos pais (que eram do movie business) lhe iniciaram no negócio. Talvez a melhor definição para tal inusitada parceria seja a constatação de que os três filmes em que Laura e Lynch colaboraram se constituíram em seus momentos mais expressivos no cinema. Foi quando Lynch foi mais linear e inteligível (por que não comercial?) e Laura foi mais experimental e irresoluta. Pode uma coisa dessas?
Veludo azul (1986), Coração Selvagem (1990) e Império dos sonhos (2006), este último em menor escala, mostram que sim. Durante a era de ouro de Hollywood era contumaz que cineastas de renome tivessem atrizes como parceiras assíduas em seus filmes. Mas Lynch, em certo nível de interpretação, é o oposto de Fellini. E seu regime de colaboração com Laura Dern tão pouco se ajusta aos que marcaram gente como Billy Wilder, que, por exemplo, rodava a toque de caixa com Marilyn Monroe. Então o que há de transcendental nesses filmes tão diferentes realizados em décadas distintas?
Uma relação diferente: a beleza da parceria entre Lynch e Laura é que excede o rótulo de um cineasta e sua musa
Eles capturam um David Lynch com uma postura renovada perante seu próprio cinema. Não seria imprudente afirmar que estes são os três melhores filmes entre seus dez longa metragens (entre documentários, curtas e produções para a TV, Lynch tem mais de 30 filmes como diretor). A parceria delimita, também, com clareza as novas etapas da carreira de Laura Dern. Não obstante, o último filme que reuniu a dupla (Império dos sonhos) é o que Laura recebe mais atenção do diretor (gravado quando ela recebe menos atenção em Hollywood, e ela vive uma atriz no filme). Lynch sempre foi adepto de mensagens subliminares e de rechear seu cinema de signos e significantes. A parceria com Laura Dern, por esse viés interpretativo, é mais do que um poderoso subtexto. É mais um artifício de Lynch (e porque não dividir os créditos com Laura aqui) para pensar seu cinema e sua carreira como artista. Esse é o aspecto que reforça o caráter transcendental de uma parceria tão restrita e, ao mesmo tempo, tão longeva.
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