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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Movie Pass

O Movie Pass de hoje destaca um filme nacional. Mas de alma universal. À deriva, mais recente trabalho do diretor Heitor Dhalia, ainda está nos cinemas, mas já vê a aura de filme cult se estabelecer. Um processo natural, tratando-se de Dhalia. Autor de produções experimentais e herméticas(Nina, O cheiro do ralo), o diretor é afeito a esse universo e sua representatividade. Contudo, se À deriva é seu filme mais convencional, é também aquele em que defende com maior veemência suas idéias e a visão que quer compartilhar com a platéia. Não é filme de soluções fáceis. Aliás não é nem mesmo um filme de soluções. Não se engane, o filme é muito bem resolvido por Dhalia. A divagação que lhe entrincheira é justamente a ociosidade de soluções em determinados aspectos e momentos da vida.

A seguir o trailer do filme e a minha critica:



Retratos de família
O novo trabalho do diretor Heitor Dhalia, traz segundo o próprio, alguns elementos auto biográficos. Contudo, a produção de elenco internacional também tem um tema universal. À deriva ( Brasil 2009) acompanha, do ponto de vista de uma menina de 14 anos, o fim do relacionamento de um casal. Filipa ( a estreante Paula Neiva) é testemunha ocular do desmoronamento do relacionamento de seus pais, Clarice ( Débora Bloch) e Matias ( Vincent Cassel).
O tom do registo é sereno e minimalista. À deriva assume o ponto de vista de sua protagonista e o diretor utiliza-se muito bem da expressão poderosa de Paula Neiva. Aqui o diretor fala, na verdade, mais do que o processo de ruptura pelo qual passa aquela família sobre fases e circunstâncias. Sobre como uma se ajusta à outra, e eventualmente, como acabam se metaformoseando em uma identidade irrevogável para uma pessoa. É isso o que está acontecendo com Filipa. No momento em que descobre a pior das verdades ( a de que a vida adulta é muito mais doída do que se imagina quando criança) é também quando descobre o interesse pelos meninos, e com ele, pelo sexo.
É, em uma última análise, essa a matéria prima de Dhalia aqui. E é da confluência desses dois mundos que se desvelam para Filipa que surgirá a mulher que já começa a dar sinais dentro da incontida e curiosa adolescente.
Heitor Dhalia, realiza aqui, não só seu trabalho mais pessoal e maduro, realiza seu melhor e mais eloqüente trabalho como diretor. Aproveitando muito bem os silêncios, fazendo grande uso da música e, principalmente, transferindo significado até mesmo na mais banal das cenas. Um exemplo valioso ocorre logo no princípio do filme. O diretor explicita toda a cumplicidade entre pai e filha em um gesto banal – em um almoço na casa da família,o pai come a carne da filha que não a queria, para logo depois a mãe descobrir a arte e colocar outro pedaço de carne no prato.
Em uma cena simples e rápida, Dhalia economiza e fala muito. Assim são todas as cenas do filme. Pensadas. Contemplativas. À deriva é repleto de subtextos e cabe ao espectador à sensibilidade para percebê-los.
Os atores potencializam o excepcional trabalho da direção. Paula Neiva ilumina a tela com vigor acachapante. Filipa é comum e única. Em uma dicotomia captada com extrema minúcia pela atriz, estreante, descoberta no orkut pela produção e que atesta uma vez mais a excelência de Dhalia em seu ofício. O francês Vicent Cassel impressiona. Não só por atuar em português perfeito, mas por revestir seu personagem de camadas insuspeitas. O ator brilha na pele de um homem apaixonado por seus filhos e ao mesmo tempo entristecido de sua vida. Não menos brilhante está Débora Bloch, talvez a maior surpresa da fita. Pouco afeita ao cinema, a atriz está contida e compõe sua personagem no tom desejável. Débora evita os atalhos largamente conhecidos e confortáveis que uma personagem como a que tem em mãos oferece, e atém -se ao registro minimalista. Um acerto que se multiplica quando contracena com Cassel que atua apaixonadamente, como de costume.
Dhalia realiza aqui um filme notável. O melhor brasileiro do ano. E seguramente um dos melhores filmes da temporada.

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