Páginas de Claquete

terça-feira, 31 de maio de 2011

Panorama - Antes que o Diabo saiba que você está morto


Sidney Lumet rodou, aos 82 anos, um dos filmes mais importantes de sua filmografia. Não por que Antes que o Diabo saiba que você está morto se revelaria seu derradeiro filme, mas porque a obra está impregnada do DNA desse gigante do cinema. Aferindo viço e propriedade narrativa a uma trama de assalto com forte componente de tragédia familiar, Lumet – em seu rigor técnico – potencializa as fronteiras do filme.
Ao optar por uma narrativa fracionada, o diretor destrincha expectativas e constrói um sentido mais amplo dos dramas daqueles personagens. Permite, também, que seu filme se revele surpreendente quando a cotação de reviravoltas já se presume esgotada.
Seguro na direção de atores, Lumet filma Marisa Tomei com sensualidade esbanjadora e exige entrega de Philip Seymour Hoffman e Ethan Hawke, seus protagonistas.
A moralidade volta a permear a obra do cineasta. Os dois irmãos que decidem roubar a joalheria dos pais e veem, depois do fracasso do plano, o desmoronar de suas vidas não fogem ao escrutínio da lente de Lumet. As escolhas de todos os personagens são grafadas pelo diretor em um impactante conto moral que não termina com nenhum tipo de redenção.

domingo, 29 de maio de 2011

Tira-teima

Duas das atrações do verão americano de 2011 que já estrearam e estão causando nas telas de cinema são Velozes e furiosos e Piratas do Caribe. Essas duas poderosas marcas guardam algumas semelhanças e muitas diferenças em suas jornadas pela cultura pop. A seção Tira-teima deste mês joga luz sobre todas elas.





O status quo

VF = A série atravessa um momento de renovação. Após dez anos e cinco filmes, a franquia parece ter encontrado, além de uma unidade narrativa, uma vocação. Segundo o diretor Justin Lin, Velozes e furiosos a partir de agora é uma trama de assalto. Não de carros envenenados.


PC = “Tudo depende de Johnny Depp”, exclama a toda oportunidade o produtor Jerry Bruckheimer. Com certeza de boa bilheteria, já foi anunciado que há ideias para uma nova trilogia. Basta Johnny dizer sim.


Entre carros turbinados e navios piratas


- É a terceira vez que as franquias se cruzam em uma temporada de blockbusters hollywoodiana. A primeira foi em 2003, quando Velozes e furiosos tinha o seu segundo lançamento no verão que seria marcado pelo surpreendente Piratas do caribe: a maldição do perola negra. O segundo encontro foi em 2006, quando a franquia Velozes e furiosos muda radicalmente e segue para Tóquio e a primeira sequência de Piratas do Caribe é lançada.
Enquanto O baú da morte se tornaria a maior bilheteria daquele ano, Desafio em Tóquio registraria a pior bilheteria da série de carros turbinados


- Os dois filmes foram “sucessos improváveis”. Lançados em agosto (final da temporada de verão nos EUA) viraram franquias cinematográficas por pressão dos estúdios


- Nas duas franquias o personagem coadjuvante roubou a cena do protagonista no filme original. Em Piratas do Caribe o arco principal seria do ferreiro Will (Orlando Bloom) e da nobre Elizabeth Swann (Keira Knightley). O efeminado Jack Sparrow de Johnny Depp acabou roubando o filme. O mesmo aconteceu em Velozes e furiosos em que o assaltante de bom coração Dominic Toretto (Vin Diesel ) marca mais do que o protagonista, o policial Brian o ´Conner (Paul Walker).



* O quinto Velozes e furiosos e o quarto Piratas do Caribe, por ainda estarem em cartaz, não têm os números das bilheterias fechados.

Insight

Do documentário à ficção: por que tem gente que faz a passagem?

Vivemos em um momento em que o gênero documentário, que para alguns nem mesmo deveria ser classificado como gênero, cada vez mais se mescla à ficção. Se funde a ela em estrutura narrativa, linguagem e técnica. Paul Grengrass levou ao cinema de ação, com a série Bourne, algumas esquematizações inerentes ao documentário e lançou tendências. O cineasta Michael Mann utiliza o digital, que por ser mais barato é tão caro ao nicho do documentário, em longas como Colateral (2004), Miami Vice (2006) e Inimigos públicos (2009), com vistas a obter uma representação do real mais satisfatória.
Mas há outra bifurcação nessa espiral de aproximação entre documentário e ficção no cinema. José Padilha é um valioso às nesse jogo de cartas. Documentarista consagrado, com filmes como Ônibus 174 (2002) e Garapa (2009), o diretor realizou dois longas de ficção de imenso apelo nacional e que, assim o são, por sua vocação para documentar a verdade e fomentar o debate social. Características primárias a qualquer definição do documentário.

Padilha orienta Seu Jorge nos sets de Tropa de elite 2: teses sociais que movem filmografia



Padilha não está sozinho. João Jardim é outro documentarista que aceitou o flerte da ficção e se abriu às possibilidades que dele se ensinuam. Amor?, um dos melhores filmes de 2011 sob qualquer perspectiva, embaralha as percepções entre ficção e documentário ao propor um jogo de espelho entre linguagem, método e dramatização.
Bennett Miller, um americano de 47 anos, é outro documentarista que enxergou na ficção uma janela criativa que lhe favorece. Debutou na ficção sendo indicado ao Oscar de direção por Capote (2005). Um filme jornalístico sobre um episódio jornalístico. Pode se dizer que, em parâmetros meramente empíricos, Miller realizou um documento, ainda que com a liberdade do jornalismo literário¹. Seu próximo filme (Moneyball), que tem no elenco o astro Brad Pitt, surfa na mesma onda. Recuperar a história de um homem que fez de tudo para seu time de baseball dar certo.
O documentarista Jefferson De optou pela ficção para contar uma história de amizade e cumplicidade em um bairro violento da periferia de São Paulo. Se Bróder fosse um documentário, provavelmente não seria tão eloquente quanto objetivava seu diretor.

Bennett Miller (à esquerda), com o roteirista Dan Futteman e o ator Phillip Seymour Hoffman: estréia elogiada na ficção


Essas opções não apontam restrições em um gênero ou formato. Pelo contrário. Reforçam a pluralidade do cinema e derrubam um tabu. Não está só no documentário a verdade; e a ficção pode alinhar fatos e versões com mais veracidade e isenção do que um documentário respaldado em anos de pesquisa. José Padilha rodou os dois Tropas de elite com o mesmo tino e obstinação que caracterizou seus documentários menos famosos. Bennett Miller tem na figura de Capote o mesmo interesse que tinha na de Tom Cruise, no documentário que dirigiu sobre o astro em 1998. O interesse de Jefferson De era mostrar que o Capão Redondo é mais do que abrigo para delinquentes e traficantes. Esses documentaristas enxergaram que a ficção pode ser mais apaixonante e, por vezes, mais fecunda do que o documentário. É uma opção legítima e que, em seu viés imaginativo, como fizera João Jardim, resplandece todo o vigor narrativo dessa arte chamada cinema.

Cena do premiado Bróder: cinema verdade que encontra abrigo na ficção


1- gênero jornalístico em que se reporta uma notícia tomando como parâmetro os alicerces da literatura 

sábado, 28 de maio de 2011

Grandes Vencedores da Palma de Ouro - De Michael Haneke, A fita branca

Um filme em preto e branco, sem música, que antecipa o nazismo e que se pretende inflexivo sobre as origens do mal. A fita branca não poderia deixar de ser uma obra com a assinatura de Michael Heneke, um cineasta que sempre se mostrou à vontade em grafar a violência como idiossincrasia humana. Na briga pela Palma de ouro em 2009, Haneke levou a vantagem em uma competição em que os principais candidatos rondavam a violência, mas não com a mesma propriedade narrativa. A fita branca antes de ser um exercício de estilo é um decágono sobre as raízes da maldade.




A competição

O júri presidido pela atriz francesa Isabelle Huppert não tinha uma tarefa fácil. Esse foi o último grande ano do festival até aqui. Além de algumas gratas surpresas como O profeta, de Jacques Audiard, disputavam a Palma de ouro Pedro Almodóvar com Abraços partidos, Quentin Tarantino com Bastardos inglórios, Ken Loach com À procura de Eric, Ang Lee com Aconteceu em Woodstock, Park Chan-Wook com Sede de sangue, Lars Von Trier com Anticristo, Jane Campion com O brilho de uma paixão e Marco Bellocchio com Vincere. Era uma seleção de respeito. Tanto que Huppert foi acusada por setores da crítica de que a premiação de Haneke foi outorgada em favorecimento ao diretor que é seu amigo pessoal. Uma bobagem. A fita branca era digno da distinção que recebeu.


Além da Palma
Indicado a dois Oscars (filme estrangeiro e fotografia), Indicado ao Bafta de filme estrangeiro, indicado ao César de filme estrangeiro e quatro prêmios no European Film Awards (filme, direção, roteiro e fotografia)


Curiosidades
- O ator Ülrich Mühe, de A vida dos outros, era a opção de Haneke para ser o pastor no filme. Mas o ator morrera poucos meses antes do início das filmagens
- Heneke confessou em entrevista após a Palma em Cannes que havia pensado em A fita branca como uma minissérie para a TV, mas logo abandonou a ideia
- As cenas foram filmadas em cor e alteradas para preto e branco na pós-produção. O processo de conversão foi supervisionado pelo diretor de fotografia Christian Berger

Crítica - Os agentes do destino

Romeu e Julieta Scifi!
Baseado em um conto de Phillip K. Dick, Os agentes do destino (The adjustment bureau, EUA 2011) lança um debate interessante – ainda que não o escalde – sobre uma constante aflição humana: a confrontação entre destino e livre arbítrio. O genial ponto de partida de Dick serve bem a premissa da fita que marca a estréia na direção de George Nolfi. Um jovem político com ambições ao Senado pelo estado de Nova Iorque (Matt Damon) se apaixona por Elise (Emily Blunt) tão logo pousa os olhos nela. Acontece que o romance não está no destino de ambos. Os efeitos desse romance poderá ser prejudicial à carreira política projetada pelo David Norris de Damon e para os sonhos de ser uma grande bailarina da personagem de Emily Blunt.
As intersecções de suas escolhas no presente afetam em grande escala o seu futuro. Essa ideia é escrutinada do ponto de vista da ficção científica em uma trama simples e com fôlego. Os tais dos agentes do destino, uma classificação imperiosa por definição, são seres que se assemelham aos humanos, mas “vivem mais e não sentem da mesma forma”, explica um personagem para o incrédulo David Norris. Cabe a essas figuras, assegurar que o plano traçado para cada individuo se concretize. Como falta mão de obra, alguns contratempos acontecem e precisam ser corrigidos. Um deles é a aproximação de David e Elise.

Faíscas no primeiro encontro: Os agentes do destino apresenta uma história de amor embalada em ficção científica 


Nolfi mostra apuro visual e tenacidade narrativa. Seu filme tem clichês de gênero sim e, vez ou outra, se excede em determinado arco. Mas é um entretenimento digno que se apresenta como abstração diferenciada para o expectador indiferente aos blockbusters da temporada de verão.
O que depõe contra Os agentes do destino é sua falta de humor. Já que Nolfi não se convence a envernizar o debate acerca da incidência do destino no livre arbítrio e vice- versa, a fita precisaria saber rir de si mesma. Não pesar tanto na sisudez. O final feliz não deixa de ser uma concessão hollywoodiana que faz pouco sentido dentro do contexto aventado pela produção. Mas não deve desagradar aos adeptos do destino ou do livre arbítrio.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Filme em destaque: Se beber não case, parte II

Potencializando a fórmula

Eles voltaram para mais uma noite daquelas. Com um humor mais pesado e com ambições mais calibradas, Se beber não case, parte II promete agradar quem curtiu o primeiro filme

Em time que está ganhando não se mexe. Ou se mexe muito pouco, como mostra a sequência do último grande sucesso surpresa do cinema americano. Se beber não case (2009) se tornou a comédia adulta (proibida para menores de 18 anos) mais bem sucedida da história. Era uma fórmula atraente. Um time de comediantes parcialmente desconhecidos, Las Vegas, Mike Tyson, um tigre, um bebê e um porre memorável. O humor fluía fácil graças a um elenco entrosado e a um texto calibrado na medida certa. A sequência tornou-se inevitável e a trupe toda voltou para Se beber não case, parte II.
Ed Helms (o dentista acovardado Stu), Zach Galifianakis (o irritantemente carente Alan), Bradley Cooper (o bonitão Phil), Justin Bartha (Doug, o noivo do primeiro filme) e Ken Jeong (o impagável sr.chow) voltam, novamente, às ordens de Todd Phillips.
Na trama do novo filme, a ação se passa em Bangkoc na Tailândia. Stu está prestes a se casar e outra “despedida de solteiro” está prestes se tornar uma memória tão esculhambada quanto marcante. Phillips substituiu o tigre pelo macaco, o dente quebrado por uma tatuagem, repaginou algumas outras piadas e deu mais tempo de tela para Ken Jeong. Outras mudanças consideradas acabaram na sala de edição. A mais comentada delas foi a participação de Mel Gibson como um tatuador. O astro aceitou o convite, mas membros da equipe de produção, dentre os quais o ator Zach Galifianakis, teriam se ressentido da adição no elenco. Para contemporizar, o diretor retirou o convite a Gibson. Liam Neeson foi chamado para fazer a ponta, mas sua participação acabou de fora da fita. “Apesar da cena ter ficado ótima, ela não acrescia ao contexto do filme”, justificou Phillips ao Hollywood Reporter.
Bill Clinton e Charlie Sheen foram outros figurões aventados para participações especiais, Sheen inclusive apareceu em Um parto de viagem – último lançamento de Phillips nos cinemas. Mas as participações especiais se limitaram a Paul Giamatti, o diretor Nick Cassavetes (o terceiro escalado para viver o tatuador) e a Mike Tyson, “porque ele é nosso amuleto”, explicou Galifianakis em entrevista promocional.

Todd Phillips orienta seus amalucados atores: despirocando na Tailândia...



Como o poderoso chefão
Phillips argumenta que o novo filme é mais fiel a suas ideias. Rodado na Tailândia, o diretor admite que o Rio de Janeiro chegou a ser um provável destino da turma na nova aventura. “O que mais gostei foi da liberdade criativa, que se já era grande no primeiro filme, foi enorme nesse segundo”. Phillips disse que deseja que o novo filme seja recebido como um produto independente e que, quem sabe, seja considerado superior ao original. “Daí o parte II ao invés apenas do número”, explicou à Entertainment Weekly. O diretor quis mostrar que essa não é uma sequência automática, mas sim a segunda parte de uma história. “Esses caras são irmãos para a vida. Certamente serão muitas aventuras!”. Mas as primeiras críticas de Se beber não case, parte II não poderiam apontar em direção mais distante dos objetivos de Phillips. “São as piadas de 2009 bombadas no mau gosto”, escreveu o suplemento de cinema do Guardian. O crítico Ricardo Calil frisou as repetições do novo filme e o classificou como um remake da primeira fita antes de ser uma sequência de fato. Já o The New York Times advertiu que Phillips não conseguiu equilibrar, como fizera no original, o politicamente incorreto com humor pueril. São marteladas esperadas até. Nenhuma delas deve impedir a consagração nas bilheterias. O bando de lobos está de volta e, para o bem ou para o mal, exatamente do jeito que nós os vimos pela última vez.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Cenas de cinema

Almodóvar sem pele

O próprio diretor já havia antecipado em entrevista ao jornal espanhol El País que estava preparado para sair de mãos vazias de Cannes. Não deu outra. Almodóvar saiu sem prêmios da croisette e, mais uma vez, viu a aguardada Palma de ouro seguir para as mãos de outro cineasta festejado, no caso o americano Terrence Malick.
Seu filme, A pele que habito, já começa a subir de cotação entre a crítica internacional. O número de críticas elogiosas já superam as que relativizam os ganhos de Almodóvar em sua incursão pelo thriller. No Brasil, o filme está programado para estrear no dia 25 de novembro.


Onde está Malick?
Não foi a primeira vez que aconteceu. Foi a segunda. Raríssima na história do festival de Cannes, o vencedor da Palma de ouro, o cineasta americano Terrence Malick não compareceu a premiação, nem a entrevista coletiva realizada horas depois em Cannes. Segundo o produtor do filme, Bill Pohlad, “Malick é uma pessoa extremamente tímida, mas posso assegurar que está extremamente feliz por este momento”.


Misoginia que vale Palma
Como diria aquela outra, não é brinquedo não! O cineasta dinamarquês agregou, por conta própria, a pecha de nazista à sua péssima fama. Tido como misógino e com relatos de estrelas do porte de Nicole Kidman e Björk de ser cruel com suas atrizes, Von Trier é quase certeza de prêmio para as moçoilas em Cannes. É a terceira vez que uma atriz sob seus cuidados leva a Palma de melhor atriz para casa.


Invencibilidade garantida
Outra previsibilidade assegurada pela 64ª edição do Festival de Cannes foi o prêmio para os irmãos Dardenne. Os belgas garantiram, dessa maneira, uma improvável hegemonia no festival. Em cinco participações, cinco prêmios. É uma estatística invejável que mereceu a desdenha do diretor turco Nuri Bilge Ceylan que dividiu o Grande Prêmio do Júri com os belgas: “Se me perguntassem o por quê do empate, eu não saberia responder”, afirmou na coletiva de imprensa.



De Niro e seu tradutor
Desde a primeira entrevista coletiva estava claro. Com um lacônico presidente, a voz do júri que melhor se comunicaria com a imprensa seria a do cineasta francês Olivier Assayas. Não foi diferente no ato final do júri em Cannes. De Niro, querendo agradar ao público, tropeçou no francês e foi prontamente acudido por Assayas que havia elaborado muito bem, há quinze dias, a meta do colegiado composto por ele, De Niro e muitos outros: “Estamos aqui para julgar filmes e não cineastas”. Kirsten Dunst diz obrigado.

O cineasta francês Olivier Assayas posa para foto em Cannes: ele ajudou De Niro no francês e no trato com imprensa




Reação à Palma de Ouro
No Brasil, a imprensa recebeu a premiação de A árvore da vida com parcimônia. O portal IG salientou a previsibilidade da premiação, mas entendeu que os prêmios de direção e de interpretação foram zebras. A Folha de São Paulo destacou a divisão de opiniões acerca do grande vencedor da 64ª edição do festival, enquanto que o UOL preferiu sublinhar uma possível influência do presidente do júri Robert De Niro na escolha dos premiados.
O Globo aventou a possibilidade do prêmio para a atriz Kirsten Dunst ser uma espécie de “troféu de consolação” para um dos filmes mais “vistosos” em competição e O Estado de São Paulo destacou as justificativas do júri pela preferência ao trabalho de Malick.



Ninguém reparou em Um certo olhar
A salvo o filme de abertura, Inquietos de Gus Van Sant, a mostra Um certo olhar foi pouco notada pela crítica internacional em 2011. Poucos foram os destaques. No Brasil, ainda houve interesse por conta da participação de um longa brasileiro, o pouco elogiado Trabalhar cansa. Mas na imprensa internacional foram poucas as menções. Também pode ter contribuído para esse fato, o bom nível da competição principal.

Panorama - O veredicto


Sidney Lumet voltou aos dramas de tribunal em grande estilo. Com Paul Newman em grande performance, O veredicto é aquele tipo de filme que ganha em vigor e densidade dramática por ter um grande diretor no comando. Um advogado que já experimentara a grandeza, prostrado ante o alcoolismo, vê sua chance de voltar ao topo da carreira e da dignidade ao levar a julgamento um caso de imperícia médica. Tentado a fazer um acordo, a prática vigente em seu ostracismo profissional, Frank Galvin (Newman) se sente desafiado pela própria indignação ante seu comportamento. Lumet desenvolve um filme relativamente convencional com grande esmero narrativo. As tensões dramáticas são bem justificadas por um roteiro costurado a dedo por um diretor com olho clínico para a angústia humana. A secura dos cortes, a trilha sonora discreta, a confiança absoluta na capacidade de Newman memorar a platéia e a pujança solene da misè-en-scene resultam em uma produção de alto impacto emocional e cinematográfico.
De lambuja, Lumet entrega um dos melhores filmes sobre um homem se erguendo de seu vício.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Repercutindo Cannes 2011


O presidente do júri Robert De Niro entremeado por Kirsten Dunst e Jean Dujardin, os atores vencedores
da 64ª edição do festival de Cannes


O reinado americano na França continuou. Em dez anos, nenhuma cinematografia prevaleceu tanto na croisette. Com a vitória do épico existencialista de Terrence Malick, A árvore da vida, são quatro vitórias em uma década. É um feito e tanto. Descolada dessa significante insurgência, a edição 2011 do festival agradou muito mais do que a de 2010. Um fato que já era antecipável no momento do anúncio dos filmes selecionados para integrar a competição. Isso não garantiu que a escolha do vencedor da Palma de ouro fosse indubitável. Houve vaias no momento do anúncio e moderadas contestações da crítica internacional (o prêmio da crítica em Cannes foi para o finlandês Le Havre). O próprio De Niro deixou escapar que o filme não era unanimidade entre o júri. “A maior parte de nós achou que o filme era extraordinário e para o qual mais fazia sentido a Palma de ouro”, disse na coletiva pós-premiação.
De Niro, aliás, foi elogiado por seus colegas de júri como um presidente bastante democrático e debatedor. Esses adjetivos foram aventados para rebater percepções da imprensa de que os resultados da 64ª edição de Cannes muito se assemelhavam ao gosto do ator americano. O drama de violência urbana Drive rendeu ao diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn, a Palma de melhor diretor. O prêmio do júri, um dos mais contestados pela crítica, foi para o francês Polisse. O filme, sobre investigações policiais contra pedofilia, se caracteriza por uma estética documental que críticos americanos rotularam como “sub Lei & ordem”, em referência à famosa série de TV daquele país. Mas o cinema francês, como é tradição, não poderia sair sem um prêmio sequer no festival. Além da premiação de Polisse, o francês Jean Dujardin foi escolhido o melhor ator por The artist. Dujardin derrotou os favoritos Sean Penn (This must be the place) e Michel Piccoli (Habemus papam). Presente em quase toda a metragem de The artist, um filme em preto e branco e mudo, o ator se emocionou com surpreendente vitória. A crítica internacional preferia outros desempenhos, mas não contestou a vitória do francês. Maior revolta gerou o triunfo da americana Kirsten Dunst por Melancholia. Embora seu nome fosse ventilado nos corredores de Cannes, ninguém parecia prever que Tilda Swinton (que arrebatou em We need to talk about Kevin) sairia sem esse prêmio. Assim como o próprio filme que agradou bastante. Outras fitas muito badaladas no festival que saíram sem prêmio foram o drama austríaco Michael, outro sobre pedofilia (ainda que com um enfoque diferente de Polisse), o australiano Sleeping beauty e o já citado finlandês Le Havre.
Mesmo com algumas contestações, as escolhas do júri presidido por Robert De Niro agradaram mais do que as que o colegiado comandado por Tim Burton ano passado realizou. As sanções e críticas aos vencedores da edição de 2010 foram agudas, mas a favor de De Niro pesou o melhor nível dos candidatos desse ano. Prova disso, é o empate para o Grande prêmio do júri. O belga The kid with the bike, dos irmãos Dardenne e o turco Era uma vez na Anatólia, de Nuri Bilge Ceylan, ambos já premiados em Cannes, dividiram a honraria.

Kirsten Dunst era só sorrisos: ela agradeceu a Von Trier pela liberdade que lhe conferiu e ao júri por não ter desistido do filme após as declarações polêmicas do diretor no meio da semana

Os vencedores:


Palma de Ouro
A Árvore da Vida, de Terrence Malick (EUA)
Grande Prêmio do Júri
The kid with the bike, de Luc e Jean-Pierre Dardenne (Bélgica/França)
Era uma vez na Anatólia, de Nuri Bilge Ceylan (Turquia)
Melhor Diretor
Nicolas Winding Refn, por Drive (EUA)
Melhor Atriz
Kirsten Dunst, por Melancolia (Dinamarca)
Melhor Ator
Jean Dujardin, por The Artist (França)
Melhor Roteiro
Footnote (Israel)
Prêmio do Júri
Polisse, de Maiwenn Le Besco (França)

domingo, 22 de maio de 2011

Questões cinematográficas - Qual a saída de Hollywood após o novo ocaso do 3D?

Os óculos já não eram confortáveis e, a cada mês que passa e novo lançamento que chega, o 3D perde atratividade. Não é uma surpresa. Essa realidade já era esperada pelos executivos de estúdio. Até porque já aconteceu antes; na metade do século XX. Talvez James Cameron e alguns seguidores mais fervorosos do mago da tecnologia esperassem que o 3D, em sua nova encarnação, tivesse, como anunciavam, o “impacto do som” na evolução cinematográfica. James Cameron ainda continua engajado em provar a veracidade de sua profecia, que teve seus quinze minutos de viabilidade na esteira do mega sucesso de Avatar. Segundo Cameron, a avareza dos estúdios está pondo tudo a perder. Vira e mexe, o diretor de Titanic põe a boca no trambone a vociferar contra os filmes rodados em 2D e convertidos para o 3D na pós-produção. Segundo Cameron, esses filmes “sujam” a imagem do 3D e ajudam a cansar o público. O diretor, em entrevista a Entertainment Weekly em virtude do relançamento de Avatar nos cinemas no ano passado, declarou que o 3D não radicaliza a produção de cinema (contrariando um parecer próprio de alguns meses antes). “Assim como a cor não eliminou os filmes em preto e branco”, disse. Em 2008, quando Avatar estava em pós-produção, Cameron disse à mesma publicação que “tudo mundo estará fazendo filmes em 3D em 20 anos”.

James Cameron orienta seus atores no set de Avatar: Para o diretor, a revolução já foi maior do que será...


Tirado o componente marketeiro e o ócio dos fatos de cada declaração, as falas de James Cameron são sintomáticas de uma indústria (Hollywood e não o cinema) que agoniza em termos de renovação. Para se fazer um paralelo erudito, o ator Caco Ciocler, em entrevista ao Globo News em Pauta (programa do canal a cabo Globo News) afirmou que o stand up comedy é fruto de “uma crise criativa do teatro”. Para Ciocler, embora ele não veja o stand up comedy como teatro, ele entende que essa cada vez mais popular forma de entretenimento surgiu de uma crise da instituição teatral. É uma leitura interessante de se aproximar do que vivencia Hollywood diante do novo ocaso do 3D. O 3D, da perspectiva dos estúdios, representa um ganho financeiro maior com uma oferta de entretenimento que, em si, independe do filme. Do ponto de vista da realização, o 3D é mais uma alternativa narrativa. Foi o que fez o cineasta alemão Werner Herzog com o documentário Cave of forgotten dreams (2010). O filme, que foi lançado há três semanas nos EUA, mostra Herzog explorando cavernas francesas e fazendo uso do 3D. O alemão gostou da experiência. “O 3D adequou o sentido de profundidade que eu queria passar”, afirmou o diretor alemão ao New York Times. O problema é que o documentário de Herzog foi pouco visto. Pior, já foi concebido com essa limitação em mente. O 3D aqui, do ponto de vista da produção, é um recurso que apenas acresce ônus sem garantir retorno financeiro.
Essa dicotomia oficializa o fracasso do 3D como bote salva vidas de Hollywood. Salvo uma ou outra produção circunstancial, tal qual foi Avatar, o 3D não se cristalizará em lucro. Considerando as etapas de produção e a oferta em demasia de filmes no formato, resultará em um ônus cada vez maior. A pergunta que excede os caprichos de Cameron e o pragmatismo de Herzog é: Se não o 3D, o quê?

O alemão Werner Herzog, que esteve essa semana em São Paulo para um congresso sobre jornalismo cultural, inseriu o 3D no horizonte dos documentários. Outro alemão, Wim Wenders arrebatou o festival de Berlim com outro documentário no formato


A resposta não forma a unidade que favorece os preguiçosos. Manter Hollywood operante e altiva passa tanto pela aproximação do circuito de festivais (e plataformas como Veneza e Cannes nunca estiveram tão próximas), como pelo estreitamento do cinema comercial com um cinema mais pensante. Como provam o sucesso de filmes como Cisne negro e A origem, tão distintos em concepção e proposta, mas unidos pelo perfil do público a qual desejam se comunicar.
O Home Entertainment é um filão que os estúdios já manifestaram o desejo de explorar (para saber mais clique aqui). Em menos de quinze anos surgiram os DVDs, os Blu-rays, os streamings e os downloads digitais. A aparelhagem para se assistir cinema em casa evolui a passos largos e as salas de exibição perdem em matéria de atratividade com o alto custo dos ingressos. O cinema, com a democratização do acesso proposto pela internet, em um primeiro plano, e pela pirataria, em um segundo plano, passou a ser um programa de classe média para cima.

Cena de Thor, primeiro lançamento do verão americano de 2011: primeiro no mercado internacional...


A saída para Hollywood é conseguir motivar o público a pagar o ingresso para conferir um filme no cinema, tão logo isso seja possível. É lógico que alguns ajustes na distribuição precisam ser feitos pontualmente e a internet deve fazer parte desse entorno. Nos últimos três anos, os estúdios têm privilegiado o mercado internacional, nos lançamentos de seus principais blockbusters, em detrimento do mercado doméstico. A Marvel, por exemplo, lançou Homem de ferro 2 (2010) e Thor (2011) no mundo todo, para uma semana depois, lançar nos EUA. A geografia do marketing promocional também mudou. Hollywood aposta no mercado internacional como respiro de sua produção cinematográfica. É uma escolha acertada. Mas também não deixa de ser uma nuvem de fumaça. No final das contas, não há nenhuma tábua mágica de salvação. Precisa-se, apenas, de bons filmes.

Insight

Por que Meryl Streep ainda não levou seu terceiro Oscar?


É pacífico que Meryl Streep é uma das maiores atrizes de todos os tempos. As estatísticas a colocam na dianteira na disputa com suas contemporâneas e os números de bilheteria de seus filmes mais recentes lhe aferem força e regularidade que faltam a stars como Reese Whiterspoon, Sandra Bullock, Julia Roberts e Kristen Stewart. Os expoentes populares de gerações posteriores se inferiorizam ante a devassa que Meryl faz nas bilheterias com filmes como O diabo veste Prada (2006), Mamma mia (2008), Julie & Julia (2009) e Simplesmente complicado (2009). Meryl desafia preceitos da indústria a provar-se campeã de bilheteria no mesmo grau em que se enuncia digna de prêmios.


O segundo Oscar veio por A escolha de Sofia nos anos 80: a supremacia da atriz em seu ofício ainda estava por vir


Se seu currículo é abrilhantado com 16 indicações ao Oscar, recorde supremo entre atores, torna-se imediatamente manchado pelo dissabor de se materializar-se a grande derrotada nesse departamento. Ostentasse o recorde de Katherine Hepburn, quatro Oscars (todos na categoria principal), podia ter vinte indicações que ainda seria lembrada como uma vitoriosa. Mas Meryl Streep, embora demonstre fôlego invejável e talento de sobra, não ganha um Oscar desde 1983 (na quarta indicação) quando prevaleceu por sua soberba atuação em A escolha de Sofia. Os fãs e setores da indústria se embolaram em conjecturas, ao longo desses quase trinta anos, tentando intuir quando o terceiro Oscar sairia e se sairia.
Alguns advogam que Meryl Streep já foi plenamente reconhecida como a artista que é; e o recorde de indicações à estatueta avalizaria isso. Não deixa de ser um argumento prolixo. Outros, menos entusiasmados com a atriz, postulam que ela só obteve tamanho destaque porque, diferentemente do que se vislumbrava na era de ouro do cinema americano, não há grandes atrizes. Esse argumento, embora tenha um componente difamatório, também procede. De fato, hoje não existem estrelas que excedam o rótulo. Primeiro se justificou a falta de atrizes de talento esponjoso pela carência de papéis femininos de relevo. Paradoxalmente, a própria Meryl se incumbiu de defenestrar tal justificativa com seus sucessos de bilheteria e sucessivas indicações a prêmios. Logo se percebeu que havia estrelas de revista, mas não atrizes de grande fôlego dramático ou bom trânsito cômico. Meryl Streep, que esbanja nas duas vertentes, só fez pavimentar essa teoria.

Performance elogiada em As horas (2002) não lhe rendeu indicação ao Oscar. Foi a única do elenco que ficou de fora. No mesmo ano, no entanto, foi indicada por outro grande trabalho, Adaptação


Essas ponderações são importantes para responder a seguinte pergunta: Meryl Streep ganhará um terceiro Oscar? E a resposta não poderia ser mais imprecisa. Talvez. É fato que a academia considera premiá-la novamente. Uma atriz que obtém destaque dessa intensidade nessa fase da carreira merece ser laureada por isso. No entanto, a instituição já deu reiteradas demonstrações que prefere honrar atrizes de novas gerações em papéis únicos em suas carreiras. Dessa maneira, atrizes do gabarito de Sandra Bullock (2010), Helen Mirren (2007), Catherine Zeta Jones (2002), Hilary Swank (2000), Gwyneth Paltrow (1999), Cher (1988) e Geraldine Pine (1986), que não apresentam a regularidade de Meryl, prevaleceram sobre ela quando disputaram. Nos outros anos em que disputou e perdeu, Streep foi superada por adversárias tão eloquentes em termos dramáticos quanto ela, mas que ainda não tinham sido premiadas. Como Kate Wisnlet (2009), Susan Sarandon (1996) e Kathy Bates (1991).

A 15ª indicação ao Oscar, que estabeleceu a atriz como recordista absoluta entre atores e atrizes, veio em 2009 pelo filme Dúvida: derrota para Kate Winslet - que concorria por O leitor - outra grande atriz que carecia de reconhecimento

A atriz caracterizada como a ex-primeira
ministra britânica Margaret Thatcher
em The iron lady: fãs apostam
em nova indicação ao Oscar em 2012


Além dessa orientação da academia de prestigiar episodicamente, novas estrelas ou grandes desempenhos, e historicamente, quem quer que ainda não tenha sido laureado (e precisamos lembrar que academia ostenta muitas injustiças), é preciso ressaltar que Meryl Streep já tem dois Oscars e a academia tem se mostrado resistente a ampliar a galeria de atores com um número de estatuetas maior que dois: Katherine Hepburn tem 4 e Jack Nicholson tem 3. Abaixo deles, uma legião de monstros sagrados com duas estatuetas. O julgamento que a academia se lança sempre que Streep volta à disputa é se vale a pena alçá-la de posição. A resposta vai depender muito do tempo que a atriz ainda trabalhará e do nível de sua concorrência no ano em que for indicada. Repare que Jack Nicholson e Tom Hanks, mesmo merecendo, já não são sequer lembrados pela academia por desempenhos magistrais como os de Os infiltrados (no caso do primeiro) e À espera de um milagre, Estrada para a perdição e Jogos do poder (no caso do segundo). O fato de Meryl Streep continuar sendo lembrada abastece as esperanças de que o terceiro Oscar está no horizonte. Abastece, também, a teoria de que há poucas grandes atrizes em atividade no cinema americano hoje. Para o bem e para o mal, o terceiro Oscar de Meryl Streep se equilibra entre essas teorias.

sábado, 21 de maio de 2011

Grandes Vencedores da Palma de Ouro - De Nanni Moretti, O quarto do filho

O cinema italiano passou um tempo afastado do neo-realismo que tanto o caracterizou. Essa condição não foi de todo ruim. O cineasta italiano Nanni Moretti propôs no vencedor da Palma de ouro de 2001, O quarto do filho, uma imersão ao invés de uma representação do real. A tragédia que muda a vida da família do psicanalista vivido pelo próprio Moretti é abordada com sutileza e cálculo em uma dramatização que devolveu o vigor ao cinema italiano que andava esquecido no circuito de festivais.



A competição

O júri presidido pela norueguesa Liv Ullman tinha uma seleção forte para julgar. Grandes cineastas com grandes filmes disputavam a Palma de ouro. O australiano Baz Luhrmann concorria com Moulin Rouge – amor em vermelho, o bósnio Danis Tanovic com Terra de ninguém, o alemão Michael Haneke com A professora de piano, o francês Jean-Luc Godard com Éloge de L´amour, o americano David Lynch com Cidade dos sonhos, o português Manoel de Oliveira com Porto da minha infância, o americano Sean Penn com A promessa e os também americanos irmãos Coen com O homem que não estava lá. Também na disputa, a animação que viria a revolucionar o formato precipitando sua transformação em gênero, Shrek.
Era uma disputa forte e Moretti, de fato, tinha um dos filmes mais proeminentes da seleção. Talvez não fosse o melhor, mas não dá para dizer que não merecia a palma.

Além da Palma
Indicado ao César de filme estrangeiro e três prêmios (filme, atriz e música) da academia de cinema italiana


Curiosidades
- Foi escolhido o melhor filme de 2001 pela revista Cahiers du cinema
- Nanni Moretti foi o único ator do elenco principal que não recebeu um prêmio sequer pelo filme
- Moretti confessou à época da vitória em Cannes que já pensava que nunca venceria a Palma de ouro no festival. O italiano já havia concorrido quatro vezes

Cenas de cinema

Por Ivo Pitanguy

Pedro Almodóvar, na coletiva de imprensa em Cannes de seu novo lançamento, A pele que eu habito, declarou que as referências ao Brasil em seu filme excedem a música (é o quinto filme do espanhol com música brasileira na trilha) e a nacionalidade de um personagem. “A cirurgia plástica é uma indústria muito forte no Brasil”, argumentou o cineasta que não soube precisar se o mais famoso dos cirurgiões plásticos brasileiros, Ivo Pitanguy, está vivo. Sí Almodóvar. Está!


O amor da vida de Banderas
O ex-latin lover de Hollywood, Antonio Banderas foi a premiere de A pele que eu habito, filme que o reúne ao cineasta que o revelou, acompanhado de sua esposa – a atriz americana Melanie Griffith. Banderas, no entanto, não perdia a oportunidade de pular no colo de Almodóvar. “Ele é a minha vida”, dizia todo alegre e entusiasmado.

Almodóvar e Banderas posam para os fotógrafos: o muso de um é o muso do outro


A recepção de sempre

Almodóvar recebeu palmas fervorosas ao fim da exibição de A pele que eu habito. Mas a recepção ao seu filme foi morna. A crítica se dividiu. E em Cannes, com Almodóvar, sempre foi assim. Salvo a exceção de sua estréia na croisette, em 1999, quando arrebatou público e crítica com Tudo sobre minha mãe. O diretor espanhol, como está sempre se experimentando tematicamente, embora preserve o viço estético, nunca mais arrebatou instantaneamente na riviera francesa.


Lars Von Trier – polêmica 2022

O polemista dinamarquês fez uma piada infame e conseguiu seu intento: polarizar as atenções no festival. Mesmo com seu filme Melancholia não surtindo o mesmo impacto de seu antecessor (Anticristo), Von Trier conseguiu se vincular como a lembrança mais vívida dessa edição de Cannes. A piada em que se diz nazista e admite simpatia e compreensão pela figura de Hitler chateou o presidente do festival, o judeu Giles Jacob. Embora amigos, Jacob optou por uma punição extraordinária e baniu o cineasta do evento. Von Trier tornou-se persona non grata no festival.
Em 2009, o júri ecumênico já havia lhe outorgado um prêmio irônico que o próprio Jacob fez questão de desautorizar por considerar censura. Von Trier, no entanto, segue com seu tino provocador e, parece, ter perdido as costas quentes. Pelo menos em Cannes.

O dinamarquês passou os últimos dois dias concedendo entrevistas para jornalistas de todo mundo, mais do que qualquer outro concorrente à Palma de ouro: À Folha de São Paulo, ele disse que pedir desculpas é algo "americano demais"

De mentirinha
No entanto, as coisas não são tão definitivas quanto parecem. O filme, Melancholia, continua elegível para a Palma de ouro. Segundo bochichos na croisette, as maiores chances são para a atriz Kirsten Dunst. E o próprio Von Trier, que não poderá comparecer a cerimônia de premiação, poderá voltar a Cannes em outros anos. “A punição é válida só para esse ano”, afirmou em nota oficial a direção do evento.


Os favoritos de momento I
E a festa está terminando. Um dia antes do anúncio dos vencedores pelo presidente do júri Robert De Niro, Claquete aponta as prováveis escolhas. A briga pela palma reúne três filmes destacados por setores influentes da crítica. São eles The kid with the bike, dos irmãos Dardenne; A árvore da vida, de Terrence Malick e Michael, do austríaco Markus Schleinzer. Contudo, não seria surpresa se em uma disputa com a presença de quatro diretoras, uma mulher vencesse. Nesse sentido, a escocesa Lynne Ramsey com We need to talk about Kevin e a japonesa Naomi Kawase com Hanezu no Tsuki são opções viáveis.


Os favoritos de momento II
Mas se nenhum filme tornou-se unanimidade, embora o nível das fitas tenha agradado, por que não premiar Almodóvar? Essa pode ser a pergunta que algum membro do júri levantará e a resposta poderá vir em forma de Palma de ouro.


Os favoritos de momento III
Na disputa por melhor ator a briga parece concentrada entre o americano Sean Penn por This must be the place e o italiano Michael Piccolli por Habemus Papam. Na disputa pela Palma de melhor atriz, há mais nomes aventados. Tilda Swinton (We need to talk about Kevin), Kirsten Dunst (Melancholia), Emily Browning (Sleeping beauty) e Elena Anaya (A pele que eu habito).

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Crítica - O noivo da minha melhor amiga

Crise de gênero!


Amigas, amigas, homens à parte: em O noivo da minha melhor amiga a amizade entre Ginnifer Goodwin e Kate Hudson é posta a prova


O noivo da minha melhor amiga (Something borrowed, EUA 2011) adota um ponto de partida relativamente original para, aos poucos, ir domesticando-o ao sabor da comédia romântica tradicional. Darcy (Kate Hudson) é aquele tipo de patricinha narcisista (e a redundância de patricinha narcisista se faz necessária), que mantém uma amizade desde a infância com Rachel (Ginnifer Goodwin), uma garota insegura que se forçou a acreditar que ser amiga de Darcy é uma benesse inquestionável. Quando o filme começa, Darcy está prestes a se casar com Dexter (Colin Egglesfied), que é a paixão de Rachel desde os tempos de faculdade. Esse desconforto emocional é potencializado após os dois irem para cama na noite do trigésimo aniversário de Rachel.
O roteiro assinado por Jenny Snyder, baseado no romance de Emily Giffin, suscita alguns percalços previsíveis ao emaranhado amoroso, mas que não deixam de ser críveis. Giffin acredita que os seres humanos são fiéis ao princípio de complicar as coisas simples e os personagens passam a hora e meia de filme se engajando nisso. Surge dessa frente o grande personagem de John Krasinski, Ethan, o outro amigo de infância de Darcy e Rachel. Ele funciona como o observador que se permite algumas conclusões, se assemelhando ao juízo moral que a platéia faz dos outros personagens. Contudo, o próprio Ethan tem suas dificuldades em lidar com a rejeição e assumir responsabilidades por suas inconsequências no campo do amor (vive sendo assediado por uma mulher que ele levou para a cama e não teve a força de dizer que não queria mais se relacionar com ela).
Dexter enrola Rachel, que se permite enrolar e que se ressente do que está fazendo com Darcy que não se ressente do que faz com ninguém. O jeitão de novela agrada e aborrece. O noivo da minha melhor amiga se apresenta como uma crise no gênero comédia romântica. Não só pelas crises que, de uma maneira ou de outra, todos os personagens são afrontados, mas sim porque a fita começa altiva e termina imersa no lugar comum. Mesmo com a disposição de vasculhar comédia na tragédia amorosa, O noivo da minha melhor amiga acaba entregando uma fábula romântica em que tudo se resolve com a diluição de vítimas e a formação de pares românticos. Uma solução apressada que diz muito sobre a necessidade de renovação do gênero, mas não deixa escapar a resistência que esta enfrenta.

Crítica - Singularidades de uma rapariga loura

Pelo prazer de filmar!

Aos 102 anos, o cineasta português Manoel de Oliveira não carrega apenas a singularidade de ser o mais idoso na função em atividade, é, também, dos mais comunicativos em seu ofício. Seu penúltimo filme, Singularidades de uma rapariga loura (Portugal, 2009), que finalmente chega às telas do país, é um júbilo ao ofício de narrar uma história. A adaptação do conto de Eça de Queiroz é filmada em tom de prosa pelo diretor, que não perde as ilusões poéticas de vista.
Na trama, testemunhamos uma Lisboa moderna que dialoga com o seu passado. Se a moeda corrente é o Euro e os bancos estão em crise (o filme foi rodado durante a forte crise econômica que assolou o mundo em 2008), os hábitos e manejos dos personagens remetem ao antigo. Os enquadramentos de Manoel de Oliveira também. Os cortes são secos, os closes nas faces posadas dos personagens são muitos e o tom é de burlesco mesmo. A prosa que o cineasta português vai desvelando aguça a curiosidade como se fosse um conto que um avô narra com gosto ao neto.
Macário (Ricardo Trêpa) trabalha como contador no armazém do tio, um senhor tão antiquado quanto monossilábico. Um belo dia, ao avistar uma loira tão tímida quanto provocante pela janela se apaixona. Macário se submete às tentações da paixão e decide afrontar o tio, que rejeita a ideia de casamento, para construir uma vida com a loira. Ele se decide por isso antes mesmo de conhecer a moça. Tudo isso, e o resto da história, nos será mostrado em um relato temperado por frustração e ansiedade de Macário para uma estranha em um trem que liga Lisboa ao interior.
Não espere por um filme de viço, Singularidades de uma rapariga loura é tão simplório quanto as fábulas morais infantis. O que interessa ao diretor luso é decalcar a obra de Eça com o requinte que sua bagagem centenária lhe permite.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Momento Claquete # 15

Angelina Jolie e Dustin Hoffman demonstram cumplicidade na premiere de Kung fu Panda 2, realizada na semana passada em Cannes 


Penélope Cruz chega sob grande comoção para a premiere de Piratas do Caribe: navegando em águas misteriosas no sábado (14) na croisette


O elenco do drama austríaco Michael, que já despontou como um dos favoritos do festival, posa para a tradional foto na entrada do cinema 


O cineasta Gus Van Sant, cujo filme Inquietos abriu a mostra Um certo olhar, devolve a gentileza para os fotógrafos presentes na riviera francesa 


Sean Penn e Brad Pitt, que vivem filho e pai em A árvore da vida, comparecem a exibição oficial do longa na noite de segunda-feira (16) no festival de Cannes. O quinto longa da carreira do cineasta Terrence Malick recebeu vaias e aplausos durante a sessão de 2h40min 


A atriz francesa Marina Fois, que teve performance elogiada no drama francês Polisse, em uma festa que agitou o fim de semana em Cannes 


O presidente do júri Robert De Niro parte para mais um dia árduo de trabalho na croisette 


O cineasta dinamarquês Lars Von Trier, entremeado pelas atrizes Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg, se superou em matéria de polêmica na edição de 2011 do festival francês. Indagado sobre suas influências alemãs, afirmou entender Hitler e simpatizar com sua figura. Pediu deculpas, por pressão da direção do evento, menos de duas horas depois 


Mel Gibson e Jodie Foster passearam por Cannes na manhã dessa quarta-feira (18): "Uma performance demolidora de Mel Gibson em Um novo despertar", escreveu a Cahiers du cinema

Panorama - Um dia de cão




Era um dia como outro qualquer no Brooklin. E Sidney Lumet abre Um dia de cão (Dog day afternoon, EUA 1975) frisando isso. Essa casualidade combinada com a tragédia é um elemento de proeminência na filmografia do diretor que aqui a exacerba e se transforma em referência para o cinema policial. Spike Lee homenageou Um dia de cão com seu O plano perfeito (Inside man, EUA 2006), tanto na psicologia da ação quanto na forma de encená-la. Visceral e tenso, Um dia de cão foi o filme que colocou o cinema policial no primeiro escalão da produção cinematográfica. Al Pacino faz Sonny, um cara educado que decide roubar um banco para financiar a operação de mudança de sexo do amante. O inferno de Sonny  e seu comparsa Sal, que faz questão de ser tido como heterossexual, começa com a constatação de que há pouco dinheiro no cofre do banco. O cerco policial é outro entrave nos planos de Sonny que, aos poucos, vai deixando o desespero tomar conta.
A inconsequência de Sonny, sugere Lumet, seria fruto de uma rotina familiar esmagadora, um trabalho opressivo e um sentimento de ingratidão muito forte. É possível enxergar uma causa proletária na ação de Sonny, mas não em Um dia de cão. Lumet já abre seu filme afirmando que era um dia qualquer no Brooklin. Calhava de não ser um bom dia para Sonny. 

terça-feira, 17 de maio de 2011

Cenas de cinema

Lady Gaga vs Jessie J
E não é só nas FMs brasileiras que Lady Gaga e a nova sensação do brit pop Jessie J estão se digladiando. Ambas foram as principais atrações musicais de algumas prestigiadas festas no primeiro fim de semana em Cannes. Se Lady Gaga foi cortejada por Tarantino para estrelar seu novo filme (notícia que na verdade já não é nova), Jessie J agradou uma platéia de gregos, troianos, Brads e Angelinas na croisette.

Jessie J causa na croisette: Where´s Gaga?


E o negócio é música...
Quem também mandou ver nas festas regadas a champanhe na capital mundial do cinema nessas semanas de maio foi Kanye West que teve a providencial ajuda de Jamie Foxx, que sem nenhum filme para promover, se aventurou na França para cantar Gold digger.


Do tipo irrecusável
Piratas do caribe: navegando em águas misteriosas foi a grande atração do final de semana no festival francês. Johnny Depp e Penélope Cruz trocaram juras de amor profissional e a espanhola assegurou que Javier Bardem não sentiu ciúmes de Jack Sparrow. Depp, por sua vez, garantiu que Sparrow é seu personagem preferido e que ele toparia vivê-lo mais vezes.
A crítica e o público de Cannes, no entanto, não se empolgaram tanto assim com a quarta aventura do pirata mais cool dos sete mares.

Depp e Cruz fazem xis: sim, eles querem trabalhar juntos novamente...



Jogando com o regulamento
A revista Screen, que circula diariamente em Cannes reverberando a posição da crítica em relação aos filmes exibidos, classifica The kid with a bike, dos irmãos Dardenne, como o melhor filme do festival até agora. Em segundo aparece o drama austríaco Michael, sobre pedofilia. Em terceiro aparece o drama épico de Terrence Malick, A árvore da vida. Ainda há alguns figurões para debutar em Cannes este ano, como Von Trier e Almodóvar, mas nos últimos cinco anos, o favorito da crítica não levou.



Dois pesos e duas medidas
O que viabiliza um paradoxo. Os irmãos Dardenne são, notadamente, favoritos em Cannes. São dos poucos a ostentar duas Palmas de ouro. Além do caráter improvável de ganharem uma terceira, o filme vem sendo considerado – mesmo por quem o elogia – menor dentro da filmografia da dupla.


Um peso e outra medida
A premiere de A árvore da vida, pode se dizer, foi a mais disputada da edição de 2011 até aqui. Com Brad Pitt como anfitrião, os interesses excediam os méritos do filme. Mas não foi Brad Pitt quem fez valer o misto de vaias e aplausos antes mesmo do final da sessão de quase três horas. Os filmes de Malick são contemplativos e costumam ser polarizantes. Natural que não agrade a todos. Agradou a quem já responde bem as minúcias do cineasta ou que esteja disposto, como bem disse Brad Pitt na coletiva do filme a qual Malick não compareceu por ser "tímido”, a “pular no escuro”. Nada a ver com escurinho do cinema; sempre bom deixar claro.

Sou o causador da tua insônia: Brad Pitt dá tchauzinho no tapete vermelho de Cannes



Ainda Kevin
Tilda Swinton, uma das sensações dessa edição do festival, deu entrevista ao portal IG sobre sua protagonista em We need to talk about Kevin. No filme, ela vive uma mãe que não sabe como proceder ante a aparente perversidade do filho. “Tenho muita dificuldade com todo o conceito do mal”, argumentou a atriz na entrevista. “Eu luto com isso”. Tilda ainda relacionou a questão, do ponto de vista da relação materna, a fantasia de que o bebê pode ser um demônio. “É uma coisa tipo o bebê de Rosemary”, em alusão ao clássico do horror de Roman Polanski.