domingo, 30 de setembro de 2012

Crítica - Batman: o cavaleiro das trevas ressurge


Sobreposição apoteótica



Eis que estreou o novo e, até onde consta, derradeiro Batman de Christopher Nolan. Mas se Batman- o cavaleiro das trevas ressurge (Batman – the dark Knight rises, EUA 2012) traz consigo toda a pompa e grandiloquência imaginadas para esse “gran finale”, traz também vícios e desacertos narrativos e estruturais que tornam esse aguardado desfecho uma experiência relativamente frustrante e digna de ressalvas inimagináveis nos dois primeiros filmes da série.
É preciso estabelecer um nível de condescendência com Nolan. O cavaleiro das trevas (2008), em toda a sua exuberância, deixou muito pouco de relevo dramático dentro do universo do homem-morcego para ser explorado ainda nessa leitura de Nolan. Dessa forma, a missão era ingrata. As expectativas desmesuradas de público, crítica e indústria não tolerariam um filme inferior ao que promoveu o coringa de Heath Ledger à galeria de grandes personagens da história do cinema. Mas nada sugeria que o resultado pudesse ser tão contraditório.
O cavaleiro das trevas ressurge traz ecos francamente incômodos de A origem, sucesso inventivo e corpulento que Nolan rodou no ínterim entre os dois últimos filmes da trilogia do cavaleiro das trevas. Não obstante, a fluxo narrativo é enviesado. Há muita parcimônia a princípio e muito atropelo na meia hora final. Como se isso não bastasse, Nolan descrê da imagem. Logo ele, um cineasta visualmente tão eloquente se submete a cenas meramente expositivas – talvez uma insegurança eriçada após alguns olhares dispensados a A origem.
Outro grave problema é o vilão. Ainda que seja pelo prazer de especular, o desfecho de O cavaleiro das trevas sugeria que o Coringa ainda se mostraria presente na trajetória de Batman, mas a tragédia que acometeu Heath Ledger transformou isso. Não à toa, Nolan hesitou tanto antes de confirmar a participação no terceiro filme. Ele refugiou-se, então, em Bane. Vilão pouco carismático, mas protagonista de um dos mais marcantes arcos do homem-morcego nos quadrinhos, replicado com alguma carga dramática no filme. Escolheu um ator carismático e promissor, Tom Hardy, para dar viço ao personagem. Hardy esforça-se e até tem seus momentos, mas a lembrança perene do Coringa de Ledger torna ainda mais ingrata sua missão. Bane é uma caricatura mal formulada em cena. Um vilão que, inclusive, se apequena no desfecho (que apresenta uma reviravolta previsível –outra falha aqui proporcionada pela apática tentativa de “casar” com o filme original).

Tom Hardy como Bane: um ator talentoso e carismático que sucumbe a um personagem mal elaborado


Como se não bastasse, o filme apresenta outros dois graves problemas. O primeiro é o fato de Nolan repisar, em termos dramáticos, aspectos do personagem Wayne/Batman já suficientemente desenvolvidos nos dois primeiros filmes sem o acréscimo de uma nova camada ou um conflito redesenhado. O segundo problema é a inversão de tom do filme. Há um norte moralista na narrativa que inexistia no capítulo anterior. A complexidade moral de O cavaleiro das trevas, sua ambiguidade trágica e sua protuberância filosófica dão vez a um discurso político mal adornado que parece viver apenas para justificar o vazio da proposta do terceiro filme. 
Nolan, em sua opção pelo hiper-realismo, não soube administrar sua cria. Fez um dos melhores filmes da história e se viu incumbido de continuar de onde parou. Acabou por fazer um desfecho válido do ponto de vista do entretenimento, digno, sob a perspectiva das grandes trilogias cinematográficas, mas invariavelmente decepcionante se consideradas suas potencialidades.
Apesar de dar vida a uma personagem que nunca escapa à figura de apêndice narrativo, Anne Hathaway impressiona como mulher gato – ainda que essa alcunha (acertadamente) jamais seja pronunciada. Chistian Bale, por sua vez, parece no piloto automático. Percepção que tem seu pico em uma cena com Michael Caine ainda na primeira hora do filme.
A conclusão possível após refletir sobre esse terceiro filme – e a necessidade de reflexão não deixa de ser um mérito construído mais pelos dois primeiros filmes do que por este derradeiro – é de que Nolan sentiu a pressão. Ilusionista que é, e O grande truque (outro ótimo filme que realizou na entressafra dos filmes do morcego) continua a ser um testamento eloquente, pensou que poderia ludibriar sua plateia com seus artifícios. Pode ter conseguido.

Crítica - Na estrada


Eu penso em Dean Moriarty



Não é fácil avaliar Na estrada (On the road, FRA, EUA, ING, BRA/2012). Analisar o filme, em seu dialogismo com a obra original e com sua época, no entanto, é menos complicado – ainda que reserve grau semelhante de complexidade.
Em primeiro lugar, em virtude da falta de uma proposição narrativa mais específica, Na estrada é mais um tributo bem adornado a obra de Jack Kerouac, do que um filme bem fundamentado nas raízes cinematográficas. Essa constatação não desqualifica um elenco em fantástica forma, uma trilha sonora maravilhosamente composta por Gustavo Santaolalla, uma fotografia poderosa de Eric Gautier e a direção tão vigorosa quanto cuidadosa de Walter Salles.
A própria essência do livro induz o destino do filme enquanto realização cinematográfica. Embora esse fato implique em um ônus na avaliação que se faz do filme em sua vertente narrativa, indica que Salles foi bem sucedido na missão de traduzir a obra seminal da geração beat para o cinema. Na estrada é um filme sobre a busca por algo que não se sabia nem sequer nomear. Se a figura de Dean Moriarty (Garrett Hedlund) é catalisadora dessa insurgência de jovens que “tocam a estrada” na busca de inspiração e sentido, o filme de Salles é muito feliz na abordagem que faz disso. Especialmente pela poderosa aparição de Garrett Hedlund, um ator em ebulição sexual que equilibra carisma hipnótico com sensibilidade aguda na composição instintiva que faz de Dean, pseudônimo de Neal Cassidy. Se Sam Riley não chega a ser exatamente uma decepção, seu Sal Paradise, pseudônimo do autor Jack Kerouac, carece de alma. Riley falha em revestir sua composição da vulnerabilidade de um personagem que alterna momentos de profunda hesitação com outros de impulsividade incontornável. Já Kristen Stewart surge muito bem dirigida por Salles. Entregue à sensualidade de uma personagem corajosa, a atriz não se furta de cenas que exigem desprendimento. Mas há pouco para ela contribuir dramaticamente ao filme. Isso precisa ser dito. As participações especiais dão dimensão dramática a Na estrada. Viggo Mortensen e Kirsten Dunst têm pequenas, mas enfáticas participações.
Na estrada se alimenta do genuíno interesse do espectador em desbravar aqueles personagens, mas essa informação – acertadamente – nunca é plenamente alcançada.
Se Na estrada tem problemas, todos estão intrinsecamente relacionados à essência do livro, que não era considerado inadaptável à toa. Essa fidelidade canhestra, no entanto, não justifica o excesso de pudor com que Walter Salles filma as picardias de seus protagonistas. Não que haja sonegação do tesão em Na estrada. Apenas há um contingenciamento que revela ainda mais perigosamente o aspecto de tributo que o filme do diretor brasileiro não consegue se desvencilhar.


Crítica - Os mercenários 2


Maior, mais barulhento e mais divertido



Que a ideia era boa todo mundo já sabia. A questão que se colocou tão logo foi feito o anúncio de que Os mercenários, sucesso engendrado artesanalmente por Sylvester Stallone em 2010, ganharia sequência foi como tornar aquilo melhor. A primeira providência foi ampliar o dream team da ação. Jean-Claude Van Damme, que se negou a participar do primeiro filme, surge como o vilão “Vilão”, em um escracho genial com os tipos vilanescos habituais do gênero. Bruce Willis aumenta sua participação, assim como Arnold Schwarzenegger, dispensado dos afazeres de governador da Califórnia, e Chuck Norris aparece em uma ponta não menos do que sensacional. Liam Hemsworth, galã jovem que vai ganhando força midiática em parte pelo sucesso de Jogos vorazes e em parte por ser irmão do Thor Chris Hemsworth, é outra adição bem vinda.
Com esse painel de brutamontes de lendas da ação hollywoodiana, Stallone tece um fiapo de história que favorece cenas de ação mais bem urdidas do que o original – o orçamento maior corrobora – e com Simon West (60 segundos e Con air – a rota de fuga) na direção, essas cenas resultam melhor.
Barney Ross (Stallone) e seu bando são convocados por Church (Willis) para reaver um mapa que indica a mina em que estão enterradas cinco toneladas de plutônio – quantidade suficiente para dizimar o planeta algumas vezes. Só que o tal Vilão quer municiar o mercado negro com quilos do material nuclear. Está armado o cenário para muitas cenas de ação e para piadas geniais com e sobre esses heróis de ação.
O que torna Os mercenários 2 mais explosivo, no entanto, é que as piadas funcionam melhor. A boa química entre Stallone e Statham avançou ainda mais e Willis e Schwarzenegger não têm outra função na trama que não tirar sarro.
Isso posto, pode parecer que Os mercenários 2 é um entretenimento vazio. Ledo engano. Obviamente não se trata de um filme profundo com ambições artísticas, mas é uma fita que objetiva sim ser um testamento. Uma afirmação de que o gênero de ação ainda convive, e bem, com sua natureza oitentista. É uma ode ao passado com olho no futuro, já que os boatos sobre a expansão da franquia, até mesmo com uma versão feminina, estão a todo vapor. Como os personagens de Norris e Stallone confabulam ao fim da sessão, às vezes, é melhor andar em bando.

sábado, 29 de setembro de 2012

Crítica - Cosmópolis


Cantiga capitalista


Não é uma tarefa fácil resenhar Cosmópolis (EUA/CAN/FRAN 2012). Isso porque o novo filme de David Cronenberg não se pretende palatável, ou mesmo lógico, em um sentido dramatúrgico convencional. Também não é uma “aberração” característica do cinema oitentista de Cronenberg. Portanto, um exercício de racionalização incorre no risco de esterilizar o próprio status quo de Cosmópolis.
Baseado no livro de Don DeLillo, o filme vislumbra a falência do capitalismo. A gozação de Cronenberg é que o capitalismo, tão famigerado como só ele, se retroalimenta da própria falência. Essa noção pode ser melhor encampada quando do dialogo entre Eric Packer (Robert Pattinson), um jovem magnata de Wall Street e Vija Kinsky (Samantha Morton), sua analista de teoria. A conversa se dá na limusine branca do protagonista enquanto Nova Iorque queima em protestos anticapitalistas do lado de fora. “Nada disso é original”, constata em certo momento Packer, antes de devanear sobre um jato de guerra que comprou no mercado negro simplesmente para poder olhar para ele e contentar-se de possui-lo.
Packer é construído por Robert Pattinson com muito vigor. É um jovem bilionário enfadado com sua vida e cioso por testar limites. Ele exala sexo, como afirma uma personagem em dado momento, e se excita com o risco. A personificação do capitalismo emulada em Packer vai ganhando viço e forma à medida que o filme avança. Cronenberg investiga esse absurdo colocando algumas das perguntas da plateia na boca dos personagens que cruzam o caminho de Packer. Da prostituta “velha” que se ressente da contemporaneidade da vida e  quer saber como é gastar milhões, passando pela noiva robótica, pelo segurança desconfiado, pelo analista de riscos que faz Packer se lembrar que ele não é o mais “novo da turma” e culminando no confronto fervilhante com o personagem de Paul Giamatti. No momento em que as duas faces erigidas pelo sistema capitalista se confrontam, sai faísca.
Cronenberg não fez um filme para ser explicado. Fez um filme sobre o qual se devem formular teorias. Nesse sentido, não há como ser mais fiel à obra original.  
É um equívoco apontar Cosmópolis como anti-capitalista. Seria uma depreensão totalmente errada tanto do foco da narrativa quanto de seu discurso. A própria estética adotada por Cronenberg dificulta essa percepção.
Cosmópolis é um filme sobre nosso tempo e sobre nossas escolhas enquanto organização social. É um filme muito maior do que se supõe, ainda que se ambiente majoritariamente em um espaço confinado (uma limusine) e durante um único dia. Até mesmo o mal estar da civilização é trabalhado nessa figura dramaticamente rica que é Eric Packer. Em um dado momento, ele responde aos devaneios de um de seus seguranças inconformado com o fato de jovens cederem tão precocemente às drogas: “Há dor suficiente para todos”.
Com muitas frases fortes e pensamentos obtusos entrecortados, Cronenberg lança filosofia existencial por fotograma e sobrecarrega seu espectador, ainda que o ritmo do filme seja lento. Essa assimetria, inclusive, é metaforicamente referenciada na trama. Mais um meandro de um trabalho de direção salutar.
Cosmópolis é arte para pensar. Do tipo que provoca estranheza e fascinação. Cronenberg sabiamente utilizou a face, as caretas e o status de Robert Pattinson - até mesmo o background que o público tem dele como vampiro – para tecer um painel aterrador do mundo em que vivemos e cujo final, como demonstra a última eloquente e inquietante cena, ainda não foi escrito.   

A volta dos que não foram

Há exatos cinco meses foi decretado o fim de Claquete. Foram duros cinco meses. Alguns acreditaram que era o fim. Outros esperaram que fosse apenas uma fase. Certo é que é difícil ficar afastado dessa paixão renovável e crescente pelo cinema. Foram muitas as razões que me levaram ao afastamento do blog. Muitas delas ainda persistem. No entanto, o desejo de voltar a bloggar e de manter Claquete ativo se impôs com uma força tremenda. Portanto, esse projeto independente está de volta. Se terá a mesma audiência de antes é um mistério. O ritmo, certamente será outro. Mas a orientação editorial e o apreço pela qualidade e rigor críticos permanecerão os mesmos. Sem mais delongas, vamos à segunda vida de Claquete!