segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Retrospectiva 2010 - Contexto

O ano em revista

2010 vai chegando ao fim e o ano foi muito intenso no cinema e, principalmente, para o cinema. O que fica de 2010? Como esse ano serviu para ajustar perspectivas da indústria? O cinema foi arte em 2010? Quais filmes marcaram? Quem dominou a cena? São perguntas perenes que a última seção Contexto do ano abordará.
A primeira grande lembrança de 2010 estará relacionada a um filme de 2009. Avatar alcançou seus “major records” neste ano. Sagrou-se a maior bilheteria da história do cinema (U$ 2,7 bilhões) e popularizou de vez o 3D (embora este já fosse popular). Avatar foi, ainda, a maior bilheteria de um filme internacional nos cinemas brasileiros. Sim, porque no geral foi prata da casa. Tropa de elite 2 tornou-se o maior blockbuster da história de nosso cinema. Lançado e produzido nos moldes hollwoodianos, Tropa de elite 2 está na vanguarda e ainda será muito importante para evolução do mercado de cinema no país.
Mas Tropa 2 não foi o melhor filme nacional a aportar nos cinemas. Boas surpresas estiveram em campos opostos. Laís Bodansky aliou trejeitos autorais a uma linguagem pop e multifacetada para fazer o melhor filme sobre teens dos últimos anos. As melhores coisas do mundo é a prova definitiva de que o cinema brasileiro pode ser mais cinema e menos brasileiro. Marco Ricca, por sua vez, estreou com o pe direito como cineasta. É dele o melhor filme nacional do ano, Cabeça a prêmio. Um filme pensativo passado no centro-oeste brasileiro e que se esmera na força de um elenco coeso. Ricca rejeitou a possibilidade de mastigar seu filme para o público, assim como o fizeram o mestre Martin Scorsese em Ilha do medo e Christopher Nolan (que anda merecendo a alcunha de mestre) em A origem. Ambos, também em simetrias opostas, deram verdadeiras aulas de direção e de como contar uma história (até certo ponto simples) de maneira sofisticada.

Chris Nolan fazendo pose: depois de duas obras primas, ele anda merecendo a alcunha de mestre



Sofisticação teve David Fincher ao apoderar-se de uma história com potencial explosivo (a criação do Facebook e os litígios que se seguiram) para pintar o retrato de uma geração em A rede social. Tudo com dinamismo e agilidade, elevando o roteiro (que como diria Hitchcock é a chave de todo o filme) ao seu devido status.
Status foi o que adquiriu Kathryn Bigelow em 2010. Uma diretora competente, mas longe de ser a mais representativa entre as muitas mulheres que dirigem, até porque pouco se vale de um olhar feminino em seus filmes (Caçadores de emoção e K-19 para citar dois exemplos). O Oscar de direção a ela entregue, o primeiro concedido a uma mulher, lhe aferiu uma importância que sua obra não pressupunha.
O Oscar para Guerra ao terror, aliás, reacendeu a importância da crítica de cinema. Há algum tempo o noticiário cultural atentava para um distanciamento dos grandes prêmios do sentimento da crítica e de como a crítica de cinema havia se tornado um instrumento de pouco valor (pelo menos do ponto de vista das bilheterias). Contudo, para cada Crepúsculo que prescinde da crítica mais por ser um produto com público já pré-estabelecido e vacinado do que pela qualidade que apresenta, surge um A origem que se não fosse pela atividade da crítica não teria o fôlego que demonstrou nas bilheterias. Em 2010 comentou-se muito cinema. Não só em Claquete, mas em todo o eixo cultural. Desde o filme de Lula (que fracassou) até o filme que Polanski rodou como alegoria da própria condição em relação aos Estados Unidos (O escritor fantasma).

Cena do independente Guerra ao terror: os seis Oscars concedidos ao filme de Bigelow devolveram à crítica de cinema uma importância perdida


Os festivais de cinema foram surpreendentemente pouco cativantes em 2010. Cannes exerceu fascínio, mais pelas estrelas e pelo status que ocupa no calendário cinematográfico do que pela qualidade dos filmes exibidos. Tim Burton (que presidiu o júri em Cannes) e Quentin Tarantino (que presidiu em Veneza) decepcionaram em suas seleções.
O cinema europeu provocou pouco interesse em 2010. Só triunfou em festivais realizados fora do continente. Na Europa, a Ásia e os Estados Unidos continuaram a ter as cinematografias de maior destaque. Na América Latina, o bom momento do cinema brasileiro (com sucessos de público enfileirados) foi eclipsado pela força do cinema argentino que venceu o Oscar com o ótimo O segredo dos seus olhos. Dos hermanos também veio Abutres. Dois filmes que ganharam destaque internacional que o maior dos sucessos nacionais (Tropa 2) não deve nem mesmo arranhar. Merecidamente em ambos os casos, diga-se.

Ricardo Darín em cena do oscarizado O segredo dos seus olhos: o ator esteve presente nos dois grandes sucessos de crítica (e público) do cinema argentino em 2010


O verão americano, aquela famigerada temporada pipoca que todos adoram odiar ou odeiam adorar, não foi das mais entusiasmantes. Afora A origem e Toy story 3, não se pode dizer que nenhum filme marcou. Mas tivemos Robert Downey Jr. provando mais uma vez que é o cara em Hollywood, as animações se viabilizando mais e mais como o melhor custo benefício de uma indústria sempre em movimento como a do cinema e o ocaso do produtor Jerry Bruckheimer que sem Johnny Depp teve dois relativos fracassos no verão (O príncipe da Pérsia: areias do tempo e O aprendiz de feiticeiro). Aliás, 2010 trouxe a primeira má atuação de Johnny Depp em anos. Mas Alice no país das maravilhas será uma mancha maior no currículo de Tim Burton. Mas a revisita a obra de Lewis Carroll rendeu um bilhão de dólares e ajudou o cinema a registrar um aumento de rendimento (e na venda dos ingressos também) em 2010. Se o lado comercial vai bem, o artístico vai muito bem obrigado. Apesar dos festivais falharem em apresentar tendências e renovações neste ano, em nenhum outro ano o mainstream foi tão autoral. Além de Fincher, Nolan, Scorsese e a Pixar (com Toy story 3), tivemos anseios artísticos manifestados em projetos tão díspares como Um homem misterioso (estrelado por George Clooney e dirigido por um fotógrafo) e Atração perigosa (em que Ben Affleck exalta o que o cinema tem de melhor em um filme de autor embalado em fórmulas comerciais).
O saldo que se vislumbra é de que 2010 foi um bom ano para o cinema. Embora em linhas gerais tenham prevalecido os filmes medianos, houve uns cinco ou seis grandes filmes e muita coisa ainda se desdobrará de dois deles em especial: A origem e A rede social. Mas isso, já é outro contexto.

Martin Scorsese mostrou em A ilha do medo porque é um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos




Reminiscências de 2010

+ Leonardo DiCaprio explorou com duas ótimas atuações os limites da mente nos filmes A origem e Ilha do medo


+ O cinema independente, após ser consagrado com o Oscar concedido a Guerra ao terror, viveu o mais fracos de seus últimos 5 anos


+ Josh Brolin esteve em quatro filmes em 2010 (Jonah Hex, Você vai conhecer o homem dos seus sonhos, Wall street – o dinheiro nunca dorme e, no ainda inédito, Bravura indômita). Um ator que fica melhor a cada novo trabalho. E 2010 deu uma boa noção disso.


+ Tivemos dois filmes de Woody Allen lançados comercialmente no Brasil este ano. Tudo pode dar certo em abril e Você vai conhecer o homem dos seus sonhos em novembro. Uma raridade bem recebida...


+ Christopher Nolan ratificou sua condição de visionário ao negar-se a dirigir o terceiro Batman em 3D. Na contramão de James Cameron, Nolan vê a tecnologia como uma efemeridade narrativa


+ O cinema nacional deve retrair em 2011 depois do excelente 2010. Pelo menos em termos de bilheteria...


+ O Blu-Ray vai pegando aos poucos, mas não representará a revolução que foi o DVD. Tão pouco essa revolução está nos downloads e distribuição online de filmes. No Brasil, em especial, o arrefecimento deste setor se deu antes da devida alavanca. A banda larga brasileira inviabiliza esse modelo de negócios.


+ Os atores voltaram a atrair interesse nos cinemas em 2010. Sem grandes sagas (com Harry Potter chegando ao fim) e com uma exaustão de filmes adaptados de outras mídias (como Homem de ferro 2 e Eclipse), 2010 deixa o caminho para uma mudança de posicionamento de alguns estúdios


+ Astros deverão estar novamente na ordem do dia nos próximos anos


+ O que não quer dizer que as adaptações estão fora da jogada, apenas prevê-se um equilíbrio maior nessa equação


+ Martin Scorsese e Roman Polanski lideraram, com seus filmes, a rotina de excelentes trabalhos de direção no ano. Também merecem destaque Pablo Trapero, José Padilha, David Fincher e Chris Nolan

7 comentários:

  1. Grande Reinaldo!
    faz um tempo que não passo por aqui, mas pretendo tirar o atraso com as leituras do blog.

    Belo apanhado de eventos!
    Alguns dos seus destaques também estará presente no próximo Cinelista para fechar o ano de 2010, que pretendo postar no último dia do ano. No mais, sério que tu não premiaria Bigelow pelo seu trabalho em "Guerra ao Terror"? Tbm concordo que ela não é a diretora mais expressiva, mas ela não tinha concorrência no Oscar deste ano, hein. Not at all =)

    "Cabeça a Prêmio" não passou por aqui e adorei "As Melhores Coisas do Mundo", mas "Tropa de Elite 2" arrebentou. Catártico e reflexivo, torci o nariz que tu colocou como filme superestimado posts abaixos, mas é questão de opinião e eu respeito a sua ;)

    No mais, o cinema argentino realmente goleou a gente este ano. Os 2 filmes que tu citou são mesmo excelentes e colocam a cinematografia dos hermanos entre uma das mais humanistas e surpreendentes. Tem muita gente boa msm, fico feliz pelo reconhecimento deles.

    Scorsese e Polanski destruíram mesmo, mas não entram no meu ballot. Encontrei 5 outros diretores, que, em minha opinião, realizaram trabalhos tão ou talvez mais grandiosos do que estes 2 em seus ótimos filmes.

    E a lista de Melhores, sai quando? E de piores? =)


    GRANDE ABRAÇO!

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  2. 'Toy Story 3' foi a melhor coisa que aconteceu no cinema este ano

    http://filme-do-dia.blogspot.com/

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  3. Se penso em cinema de 2010 já resumo naquele título do filme de Ridley Scott "Um Bom Ano" Rs!

    A Pixar animation me impressionou demais com a terceira e última parte de Toy Story. Mas devo admitir que Scorsese, Polanski e Nolan foram os cineastas mais brilhantes deste ano.

    Feliz ano novo Reinaldo.
    Claquete e cinema em 2011, coming soon. !!

    Abs.
    Rodrigo

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  4. Você fez um apanhado muito legal do que rolou esse ano!
    Parece que enquanto nós temos Lula, os hermanos tem um cinemão... Bem, eu troco, numa boa e acho que ficaríamos todos contentes, rsrsrs Brincadeira, tivemos um ano muito bom e acho que logo teremos um cinema tão impressionante quanto - até porque o Wagner Moura não vai pedir pra sair, rsrs
    Dois "Woody Allen" no mesmo ano é realmente pra se comemorar :)
    Ah, faz uma lista de piores, please!! A voz do povo é a voz de Deus, hein? Ou no mínimo, compila a lista que vc tem colocado na foto destaque do site em uma matéria. Eu vou adorar.

    Beijos

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  5. Elton:Grande Elton. Obrigado pelos elogios. Então, achei justa a premiação a Kathryn Bigelow. É um excelente trabalho de direção o dela em Guerra terror, como disse à época da premiação. Contudo, singularmente (isto é, só analisando os filmes), os trabalhos de Jason Reitman e Quentin Tarantino eram superiores. Ela não ganhou só por seu trabalho.
    Acho que vc está confundindo minha opinião a respeito de Tropa 2. Acho- o um ótimo filme. Só o acho, também, superestimado. Uma condição não exclui a outra. Tanto que Tropa 2 quase entrou no meu top 10 do ano que será publicado hj.
    Curioso para ver que trabalhos vc listará que podem ter eclipsado os realizados por Polanski e Scorsese (que em Ilha do medo realiza um dos melhores trabalhos de direção que já vi na minha vida).
    Abs

    Kahlil: Não sei se é para tanto... mas certamente é dos melhores. Abs

    Rodrigo:Obrigado pelos votos e pelos elogios Rodrigo. Feliz ano novo para vc tb e estaremos juntos aí em 2011. Aquele abraço!

    Aline: Obrigado pelos elogios, incentivos e ideias Aline. Pois é, em 2011 o cinema brasileiro sofrerá, conforme apontei, uma retração. Em termos de qualidade isso ainda deve ser mensurado. Mas comercialmente é fato. Wagner Moura brilhará tb em 2011 em dois filmes. Vips e O homem do futuro (ficção científica made in Brasil).
    Não vou publicar uma lista dos piores, mas certamente terá uma menção a eles.
    Beijos

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  6. Um belo ano mesmo, mas sejamos otimistas, quem sabe o cinema nacional continua crescendo? Quanto ao argentino, realmente duas grandes obras.

    bjs

    E que venha 2011.

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  7. Amanda: É verdade. Acho difícil o cinema brasileiro exibir os mesmos números obtidos em 2010, em 2011. Mas isso não quer dizer que não irá evoluir em termos qualitativos...
    Bjs

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